PUB
Recheio 2024 Institucional

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os Tripíadas

Parte 5

Foram dois dias bem passados na Lourinhã. Abasteceram-se e prosseguiram viagem, rumo à Ericeira. A assinalar, apenas, mais uma tempestadezita em Porto Novo que, com maior ou menor dificuldade, superaram. E, por fim, chegaram à capital do Surf, facilmente identificável pela pessegada de gente a praticar aquele desporto da moda. Na verdade, a maior parte deles só andava com a prancha em terra, porque dava estilo, mas o que realmente interessava é que tinham uma missão a cumprir.

Não houve pincel. Baco, derrotado, foi ao charco e tinha posto a barraca de comes e bebes, as oficinas de conserto (escrevia “concerto”, com cê, o otário. Ou estava a dar música!) rápido de pranchas e a casa de alterne à venda ao preço da uva mijona e instalara-se no Algarve. Também se constava que tinha aberto uma pensom, no Porto. A Pensom do Cubo, na Ribeira, mas devia ser boato.

Vasco da Guna ligou ao Santos e tratou logo de comprar aquilo tudo por tuta e meia. Era ponto assente que os sulistas iam passar a ter mais uma palavra no seu parco dicionário: picheleiro. Levou umas quantas pranchas e meteu-as no porta-bagagens do Rabelo. E encetou, visivelmente satisfeito, regresso ao Porto. Missão à grande e à francesa!

Toda a gente ia ganhar muito guito com aquelas manobras. Faria jeito, sem dúvida. Dava para fazer umas obritas lá em casa, fechar a marquise, mas o mais importante era a honra, a glória de fazer chegar o bom nome dos Tripeiros ao outro lado do mundo. Não havia recompensa maior do que essa. Mas um chaço novo também vinha a calhar. Daqueles com duas bufadeiras, caraças. E uma pedaleira para o mais velho. E uns chanatos para a cara-metade.

Não estava, ainda, concluída a narrativa. No Buçaco (há quem escreva… vocês já sabem), tinha lugar o consílio deliberativo semanal. Como era hábito, todos puseram os pés debaixo da mesa. Por causa dos salgadinhos e para receberem a senha de presença. Marte e Vénus já andavam no roço. Baco também estava feliz. Os negócios no Algarve iam de vento em popa. Júpiter lembrou que, às dez, começava o festival da eurovisão e que tinham de dar corda aos bitorinos. Foi rápido. O ponto único da ordem de trabalhos era a proposta de Vénus. Queria recompensar os portogueses pela sua coragem e valentia e também dar uma comenda aos nautas. Uma espécie de divinização terrena. E já tinha tudo maquinado a malandreca. Preparara uma festa de arromba na Ilha das Trengas. A proposta foi aprovada por unanimidade e aclamação. Sem bacoradas.

E assim foi. Tinham passado ao largo do Cabo Carvoeiro e lá se encontrava o Amigo de Peniche. Aproximaram-se para o cumprimentar quando, sem mais nem para quê, o gigante deu uma senhora palmada na água, que levantou grande onda que os afastou umas boas milhas da costa e os levou para uma paradisíaca ilha. Vasco da Guna ficou curioso mas, ao mesmo tempo, desconfiado. Lembrava-se do que tinha acontecido ao Baloso, numa altura em que decidiram fazer um reconhecimento a terra. O homem deu-se mal e por pouco não lhe limparam o sebo.

A curiosidade foi mais forte e deu ordem de desembarque. Qual não foi o seu espanto quanto notou que havia comité de receção. E que comité, minha nossa senhora! À sua espera estava um montão de sirigaitas, daquelas de se lhes tirar o chapéu, nuinhas, como vieram ao mundo. Só se micava um macho. Um miúdo, armado de arco e flecha de brincar. Não parecia representar grande perigo.

PUBLICIDADE - CONTINUE A LEITURA A SEGUIR

Manteve a pose e entabulou patois. Eram as Trengas. Aliás, aquela era a Ilha das Trengas. Tinham preparado ganda gandaia em homenagem aos valorosos Tripeiros, naquela noite. Verdade que estava cheio de saudades de casa, mas como recusar? Um homem não é de pau. Depois de tanta aventura, os seus homens mereciam ser recompensados. E tomou a decisão de pernoitarem ali.

Foi grande pagode até às tantas. Vasco nunca soube se foi sonho ou realidade, mas ainda hoje acredita que Thetis, a ninfa, esteve com ele e lhe mostrou uma máquina estranhíssima. Mas também, verdade se diga, abusou um bocado daquilo que faz rir.

Finalmente, a viagem de regresso completou-se. E os heróis chegaram ao Porto em glória, com riqueza e com muito que contar. Menos aquilo das Trengas. O que se passa na Ilha das Trengas fica na Ilha das Trengas.

… FIM.

Artigos relacionados
Os Tripíadas – Parte 1
Os Tripíadas – Parte 2
Os Tripíadas – Parte 3
Os Tripíadas – Parte 4

João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

PUBLICIDADE

PUB
www.pingodoce.pt/pingodoce-institucional/revista-sabe-bem/uma-pascoa-saborosa-com-a-sabe-bem/?utm_source=vivaporto&utm_medium=banner&utm_term=banner&utm_content=0324-sabebem78&utm_campaign=sabebem