PUB
Philips S9000

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os Tripíadas

Parte 4

Foram recebidos como lordes, na Areia Branca, e chamados à presença do Rei Galopim, senhor das terras e mares da Lourinhã, que preparou uma tainada e peras, onde não faltavam as tripas nem as francesinhas. O mais impressionante é que até tinham Super Bock. Depois de tachar, Galopim pediu a Vasco da Guna que fosse ao micro contar algumas passagens, sem tangas, sobre a heroica viagem à Ericeira e alguns episódios da história portoguesa. Vasco, que nunca foi tata, arreganhou a tacha e assim falou:

Acabara o Padre Tone de proceder à benzedura dos três Rabelos, atracados no Cais das Pedras, ali à beira do Museu do Carro Elétrico, quando nós, já no rio, uma boz oubimos claramente. Era um Cota, marreca, já todo torcidinho. A malta conhecia-o bem. Moraba em Miragaia e andaba de tasca em tasca a amandar bitaites por dá-cá-aquela-palha. Ainda lhe disse para dar de frosques, mas o gaijo era cola. E um bocado mouco. E lá iniciou a cantilena dele, a gregar cenas maradas.

Pôs-se a dizer p’á gente num irmos, que, se queríamos dar abada aos inimigos, que tínhamos ali à monhe a gangada de Bila Noba de Gaia, por cujas bitórias sempre seríamos gabados e que num precisábamos de ir à Ericeira. Palrou ainda qualquer coisa sobre a moda parba do surf, que num tínhamos necessidade de andar armados em patos a surfar no Douro só pra entreter os turistas. Para ele, os nossos desportos naturais eram andar à guna (aí concordei), o mergulho para o rio da ponte D. Luís e a sameira em pista coberta.

O Cota de Miragaia num era lorpa de todo, não senhor. Era fino como um alho o gajo. Sabia argumentar e levar a dele abante. Quase que boltámos para trás quando disse que, ao sairmos da naçom, deixábamos as nossas gaijas à mercê dos moinantes da outra margem. Nisso, o estafermo tinha razão. Os gaijos andabam sempre a fazer-se ao piso. Mas sabíamos que o nosso destino era heróico e não bacilámos. Mas, pelo sim, pelo não, encomendámos ao Santos, que é o picheleiro que patrocinou esta viagem, cintos de castidade para as nossas patroas. Cujas chaves guardo religiosamente comigo. Quando chegarmos à Naçom, faço questão de abrir todas, pessoalmente. E deixámos o balhote a arrotar postas de pescada, sozinho, a falar para a Sacor.

Foi tudo numa naice até chegarmos a Espinho. Lá, o mar manda qualquer um mamar na quinta pata do cabalo. Safa, que não é para bidrinhos de cheiro. Alebantou-se lá uma tromba d’água, que Deus me libre. Nunca tal coisa bi na minha bida. Aquilo num era chuba. Era saraiba. Uma saraibada das antigas que saiu do fundo do mar e se dirigiu aos nossos ricos rabelinhos. Se num tibesse tido a ideia de pegarmos todos nos chuços e, ao mesmo tempo, os empunharmos firmemente contra aquela tormenta não nos safábamos. Tás a bêr? Cena tipo Setaruóres. Foi o campo de forças dos nossos guarda-chubas que detebe a tempestade e nos permitiu seguir para sul.

Foi ato heróico, sem dúbida. Às vezes, são as ocasiões e os acasos que nos tornam heróis. Beija, bossa alteza, por exemplo, o caso das tripas. Agora, ninguém torce o nariz a uma boua tripalhada, claro. Mas nem sempre foi assim. Há muito tempo, no tempo da abó do meu abô, até desatinabas só de pensar que ias morfar tripas. Até tripabas (esta foi boua, num foi?)!

Pois é! Os gaijos estabam lá no Porto, a construir umas barcaças para ir dar um arraial de porrada aos mouros e, assim, de repente, ficaram sem ter de comer. A malta do Porto, que tinha as despensas e os frigoríficos bem abonados de carne, cedeu tudo aos gaijos e ficou com as tripas. Ah, pois é, que isto é pobo que os tem no sítio! E, a partir daí, ficamos a ser conhecidos por tripeiros.

Noutra ocasião, esta já mais recente, beio praí um tipo da Póboa que tinha estado em terras de abéques. Num estebe com peneiras: adaptou um prato esquisa dos estranjas, que num balia um caracol, imbentou um molho picante e criou a francesinha. Tufa! Já lá mora!

PUBLICIDADE - CONTINUE A LEITURA A SEGUIR

Também pedistéis para bos falar de ilustres portogueses. Pois bem, há totil exemplos, mas bou referir apenas alguns. O primeiro é o Duque da Ribeira. Num era duque nem nada desses salamaleques. Tinha um nome complicado de se dizer, Diocles ou Dicleciano, ou assim, e o pobo chamaba-lhe só Duque. Foi um fulano cinco estrelas. Grande homem, que conhecia o Douro como mais ninguém e que salbou muita gente de morrer afogadinha. Às bezes, era ele que mergulhava e ia buscar os tipos que se atirabam da ponte. Outro é o Almeida Garrett, ganda escritor tripeiro. Disse uma bêz que os portogueses podem trocar os bês pelos bês, mas nunca trocam a liberdade pela serbidom. É ou não uma frase do baril? E muntos mais, como o Infante D. Henrique, o Helder Pacheco, o Nasoni, o Sá Carneiro, D. António Ferreira Gomes, Sophia, João Carlos Brito, Edgar Cardoso e tantos, tantos, que ficaba aqui até bir a mulher da faba rica!

Bom, brou Galopim, deixei para o final deste relambório o melhor da nossa epopeia, que aconteceu no momento em que nos preparábamos para ultrapassar o Cabo Carboeiro, o mítico calhau que dibide o país e os mares. Os Rabelos pareciam sameiras num oceano de buja e, digo, francamente, todos tememos pelo nosso bujom. Mas o Zebedeu, que frequenta muita a praia do Homem do Leme, tem muita experiência na conduçom. Íamos conseguir, quando o enorme rochedo se desprendeu da costa, ganhou bida e para nós se encaminhou, com cara de poucos amigos. Disse poucos? Melhor dizer nenhuns, que aquilo era fronha feita à punheta, os deuses que me perdoem a linguagem, mas a gente é do Porto, sabe como é, majestade…

Bai o gajo, põe-se a champinhar na água, aquilo já estava mais turbo do que a praia da Póboa, ainda pior ficou. Mas o mais incrível é que o aborto falaba! Que faz e acontece, que nos ia chinar, mandar pós beleléu e o diabo a quatro. Que já tinha quilhado muita barcaça e mandado gajo muita fortalhaço para os quintos e sei lá que mais. O que bale é que eu já tinha deitado abaixo umas litradas da receita que a minha Gina me engarrafou e nem m’alumbrei de me cortar. O mais que fiz foi descalçar os coturnos, que eram mais ou menos branco, e esparramei-os na cara dele. Tipo mensagem de paz, foi o que achei na altura. Olhei-o de frente, medi-o de cima a baixo e mandei-o abaixo de Braga sete léguas.

Desata numa choradeira o nosso Amigo de Peniche, a contar as suas intimidades, como se tibéssemos a bêr com isso. A gente só queria era seguir viagem. Mais nada. Mas tibemos que ficar a ali a gramá-lo. Gostava duma fulana qualquer, não botei bem sentido, mas parece que era pobre e o pai dela queria casá-la com um artolas com pasta, e como ele não largava o pedaço, contratou uma bruxa e mandou transformá-lo num rochedo. Ainda por cima, segundo o Amigo de Peniche, a pataqueira tem uma latosa daquelas e anda sempre a tomar banho ali, em trajes menores só para o pôr ainda mais fulo. Enfim, coisas da bida. O que se segue é que compreendi o gajo. Rispécte. Pode acontecer a qualquer um. Dei-lhe um copo e abiámos, os dois, mais um bocado de Receita. O gajo bebe como uma lontra. Emborcou-me a Receita toda o filho da polícia. Dei-lhe uma palmada nas costas e combinámos todos ir beber um copo um dia destes. E prontos, lá nos deixou dobrar o Cabo.

E agora, com licença, que me vou arretirar para os meus aposentos. Amanhã, é dia de pica-boi.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

Artigos relacionados
Os Tripíadas – Parte 1
Os Tripíadas – Parte 2
Os Tripíadas – Parte 3

João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

PUBLICIDADE

PUB
www.pingodoce.pt/pingodoce-institucional/revista-sabe-bem/uma-pascoa-saborosa-com-a-sabe-bem/?utm_source=vivaporto&utm_medium=banner&utm_term=banner&utm_content=0324-sabebem78&utm_campaign=sabebem