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CIN - Branco Perfeito

Os clássicos contados à Moda do Porto

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Os Tripíadas

Parte 3

Nesse mesmo momento, ao largo de Medão Grande, Vasco da Guna ia caindo de cu:

– Olha m’esta! Já num chobe, carago. E pôs-se outra vez bom tempo. Num entendo nada, mas também pró caso, boa noite, ó Freitas… Siga!

A jornada ia longa e um dos marujos sugeriu que parassem ao largo da Consolação e fossem manjar uma mariscada a um restaurante muito conhecido das imediações, proposta que foi logo aprovada por unanimidade. Vasco deu ordem de ancoragem, ligou a marcar mesa para seis tripeiros cheiinhos de larica e prepararam-se para dar à praia a bordo dos três botes de borracha da promoção do Lidl, o que fizeram sem dificuldades até a umas poucas dezenas de metros da costa. Aí, outra vez sem explicação aparente, contra tudo é que lógico, levantaram-se novas e gigantescas ondas que vinham da praia e, por mais que remassem, as embarcações não avançavam. Vasco coçou a pera e começou a desconfiar que ali haveria pardal:

– Anda pr’a cá, anda… Esta bandalheira num me está a cheirar bem. Ondas em contramão?

Acertou na desconfiança, mas falhou no pássaro. Era mais um melro que alancava com a responsabilidade. No Consílio dos Deuses, Baco perdeu a votação, mas não baixou a bola. Como não estava disposto a levar banhada, meteu pés ao caminho e decidiu mudar a feição do jogo. Porque tinha o telemóvel de Vasco sob escuta, ouviu a marcação no restaurante. Disfarçou-se de humano e foi a correr à Marisqueira da Consolação avisar o Sr. Pereira da Rocha, o gerente, que iam lá seis gajos das ASAE para lhe fechar o tasco. Que já estavam todos feitos com a Marisqueira da praia vizinha e, mesmo que tudo estivesse nos trinques, os gajos eram tramados e estavam bem untados! Iam mesmo encerrar-lhe o estabelecimento… se não tratasse imediatamente do assunto.

Chorou baba e ranho o bom Pereira da Rocha, que não podia ser, a marisqueira era o sustento da mulher, dos filhos e das amantes. Baco levava já a dele fisgada e deu a saber que conhecia gente que podia, por assim dizer, tratar do assunto. Mas que ia ser uma bolada. Uma pipa de massa.

– Dinheiro não é problema. Pago o que for preciso para salvar a minha marisqueira. – E passou-lhe um cheque em branco, que Baco meteu ao bolso. Fez uns telefonemas e, no fim, terminou:

– Tudo resolvido. Já mandei uma seita do pior para fazer uma espera aos gajos na praia da Consolação. Escondem-se nas pedras e mal ponham o pé na areia, vão levar tantas que só vão querer regressar ao Porto com o rabinho entre as pernas.

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E seria aqui o final da epopeia de Vasco da Guna. Só não foi, porque a malta do Bussaco (há quem escreva com cê cedilhado) é tipo CSI, sempre na espionagem e na contraespionagem. Baco não sabia que Vénus, que sabia bem a peça que ele era, tinha posto também o seu celular sob escuta. Descobriu tudo e deu ordem às Dágides que dessem um saltinho à Consolação e que, quando vissem os botes de borracha a chegar, bufassem as águas com quanto fôlego tinham, repelindo as embarcações de novo para os Rabelos.

– Chefe, já tou c’os bofes de fora. Não conseguimos chegar à praia. – disse Zebedeu Andrade da Guna, o comandante do segundo Rabelo.

– Olha, que se lixe o marisco! Tenho umas latinhas de atum. Com umas sabolas, vai ser um pitéu. Regressemos! – ordenou Vasco.

Quando se aperceberam de que os Tripeiros afinal não iam dar à costa e que ninguém ia para o maneta, a gangada dos mau-maus ficou piúrsa. Saíram do esconderijo, arregaçaram as calças e, já no mar, começaram a vociferar palavrões e a atirar godos aos botes. Já iam longe. Nem um acertou.

Chegados ao Rabelo, comeram atum com cebola e pernoitaram ao largo da Consolação. Partiram logo de madrugada, ainda não eram onze na manhã, e engataram a quinta rumo à Lourinhã, terra de gente de bem, que já conhecia de ginjeira Vasco da Guna e os tripeiros e que estava em pulgas para conhecer povo tão valente e genial.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

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João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

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