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Os clássicos contados à Moda do Porto

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Sermão do Padre Tone aos Cámones da Ribeira

Capítulo 3

Padre Tone entusiasmava-se quer com as suas palavras, quer com a reação dos cámones. Por isso, afanou a cadeirinha de uma peixeira que por lá andava e trepou para ter melhor púlpito. Os cámones, satisfeitos, chegaram-se mais para a sua beira, boquinha aberta, olhos arregalados, completamente paneleiros dos olhos. De admiração, certamente. E prosseguiu a dar ao badalo.

Vos estis molhus francesinhus! Descendo ao particular, falarei, não para a central, espero, de alguns de vós, que me merecendes tanto elogio. Começarei pelas inglesas, povo bem fácil de se distinguir entre o maralhal do Porto. Pela tonalidade copinho de leite, pela forma como vindes vestidas (ou despidas), pela vossa postura aberta. Escancarada, diria mesmo. Que é o que ouço dizer, porque eu, dessas coisas, como compreendendes, não tenho experiência nenhuma. E garanto-vos que nunca tive intimidades com a Emily nem com a Abigail, as gémeas Smith, que estão na Pensom do Cubo e que estão ali, a dizer-me adeus, lambisgoias do caraças. Mesmo cotas, continuaindes a romper meias solas. E sendes presas fáceis para os mafiosos locais. Se calhar, é o contrário, mas isso também não interessa. Abençoado pai que vos fez, porque sendes muito e farto alimento de todos. Sendes a cura para todo o mal de cegueira, porque quem vos botar a bistinha em cima e não bos micar de cima a baixo, é ceguinho, de certeza.

Também seria injusto não tecer um elogio aos chineses. Deixainde-me esclarecer que essa coisa de que há gente no Japão, na Coreia, na Tailândia, é tudo grupe. São todos chineses. Têm olhos em bico, são chineses. E está tudo dito, meus filhos. São boa gente os chinocas. O pessoal insulta-o, manda-os abaixo de Braga, mete o dedo em riste e faz-lhes borboletas sem asas e eles… eles sorriem, abrem os olhinhos o mais que podem, tadinhos, e agradecem, agradecem o mais que podem até se desfazerem e ficarem ainda mais pequeninos. Depois, dizem uma galegada qualquer no dialeto deles, pegam na máquina fotográfica e vão-se embora, todos direitinhos, atrás da bandeirinha do seu dono, que é sempre uma pessoa e vai à frente a levá-los aos melhores sítios para quem anda sempre ó tio, ó tio, até os chinocas ficarem sem cheta. Bom povo este, que vem lá das Chinas. E são muitos. Não vêm para cá mais, porque muitos são chinados pelos guardas quilhados das muralhas que têm de atravessar. Estes gajos são como as velas: sacrificam-se, queimando-se, para dar luz aos outros. São roda-baixa, é verdade, mas grandes na força e no poder.

Tone estava a ficar cansado de tanto tempo em pé. Desceu da cadeira e decidiu alapar a ceira. Os cámones seguiram-lhe o exemplo e puseram-se todos de quatro, caladinhos, a escutá-lo. A boca estava a ficar seca. Pediu a um dos americanos: “Go buscar a balde de bear for me, cámone”. E ele trouxe-o imediatamente. Boa bejeca. Sentiu logo um alívio a passar-lhe pelas goelas.

Continuando nas gabarolices, vou falar-vos de um povo irmão. Um povo tão inteligente que nós até conseguimos percebê-los quando falam devagarinho. Sim, refiro-me a vós, catalães, que sendes os cámones mais espertos à face da terra. Quase que parecendes humanos. E tendes uma equipa quase tão boa como a nossa. Só é pena não terdes casimiro suficiente para lavardes mais vezes o equipamento, que está a ficar muito desbotado. Mas, enfim, azulzinho como o nosso, não há outro no mundo. Todavia, merecendes, mesmo assim, toda a admiração. Grisei-me todo quando vos quiseram apanhar e vós resististeis até onde pudesteis. Desteis-lhes um grande choque elétrico. Estaindes no vosso cantinho, sossegadinhos, mas, tal como nós, tendes uma língua própria e não gostaindes, nem à lei da bala, do Mouro opressor. É bonito de se ver, nas vossas ruas, indígenas vestidos a rigor de azul desbotado, com orgulho de serdes quem sendes! Todos babadinhos de vaidade da vossa história, inchados das vossas origens, da vossa resistência aos peneirentos grunhos. Vós sendes os nossos melhores discípulos. Não tendes medo de vergar a mola, quando é preciso, e sendes cerandeiros, mal a oportunidade aparece. E que nem vos deixasteis abater quando o arcanjo do demo, Gabriel Alves, no mundial de 1982, vos mandou levar na bilha, quando anunciou a entrada “das danças sevilhanas da Catalunha”. Ah, catalães, que tão parecidos com o povo eleito do Porto sendes!

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E uma derradeira palavra de elogio para essa fauna heterogénea, que vai deambulando por aqui, aparentemente sem norte, mas cujo objetivo é apenas andar na grande borga, os putos do Erasmus. Sempre na boa-vai-ela, sempre cheios de speed, muitas vezes com a coisa na algibeira, como apregoava Frei Baloso. Deles, recomendo o apuro dos seus sentidos na busca do que procuram. Se for uma cuca, então, meu Deus, até parece que têm quatro olhos! Não lhes escapa nada.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

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João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

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