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Junta da Galiza

“24 HORAS”, de João Carlos Brito

“24 HORAS”, de João Carlos Brito

As gloriosas noites de tourada de Tó Morcego

9.ª hora

Tó Morcego olhava, expectante, para o pároco. Apesar de tudo, sentia (mais por tradição do que por veneração) bastante respeito pelo clero. O homem, ainda por cima, falava devaaagaaar e pau sa da men te, fazendo o tempo parecer interminável. E, contudo, fazia apenas dois minutos que o relógio da torre batera as oito da matina. Que diabo queria o padre que ele prometesse àquela hora da madrugada? Arrepiava-se só de pensar e nem ousava dar palpites, por mais arriscados que fossem.

— Quero que me prometas que vais penitenciar-te dos pecados que tens cometido!

Bolas! Que alívio! Afinal, era só isso. Aquele suspense todo tinha sido por causa de meia-dúzia de Pais-Nossos e dez cantilenas de Ave-Marias. O senhor padre Jeremias-eu-cagava-e-tu-comias tinha saído cá um cromo! Mas o gajo não tinha terminado. A experiência da vida tinha-lhe ensinado que, em certos casos, era necessário tomar medidas drásticas. Chamava-se a isso “cortar o mal pela raiz”. Ademais, sabia perfeitamente que, se mandasse o jovem embora com dois ou três sermões e um Pai-Nosso, como trabalho de casa, ele nunca mais ligaria patavina e continuaria a porfiar na sua vida de devassidão e luxúria.

— E a tua penitência vai constar do seguinte…

Ia o apóstolo da doutrina católica ditar a pena quando, de súbito e afogueado, o sacristão entrou na sala onde o longo diálogo tinha lugar, anunciando que a maior parte das ovelhinhas já tinha ido pastar para outras freguesias, tal o atraso que a missa das sete levava. O pároco não se demoveu das suas intenções, pois sabia ter em mãos um trabalho muito mais importante do que a homilia aos habituais fregueses. Aquele, sim, precisava de ser convertido! Já o Joaquim, manquitolando, se retirava (o Joaquim era o moço dos recados do Tono Merceeiro, bom rapaz, mas muitopastor) quando um brilho miraculoso iluminou o rosto cansado do senhor abade.

— Vais ser o meu sacristão durante um mês! – disse, resoluto.

Tó não podia crer. Não era possível! Imagine-se só o prestígio que iria perder! O sarcasmo e o gozo de que seria alvo quando todos soubessem! Pôs-se de joelhos e, chorando como uma Madalena, rogou, soluçando, ao padre:

— Meu bondoso padre! Não dê cabo da minha vida! Faço tudo menos isso! Serei o seu escravo, o seu office-boy, o seu saco de boxe… mas não me exponha aos olhos dos meus seguidores* e admiradores em tão vexante posição!

Ilustração: Marisa Pina

Mas “dura lex, sed lex” e a decisão estava tomada. O abade retirou-se para pregar aos crentes que, estoicamente, haviam resistido à tremenda seca. É claro que já toda a gente sabia da conversa, uma vez que o Joaquim, dando uma prova cabal de que não era tão estúpido como a malta pensava, ouvira tudo atrás da porta e apressou-se a espalhar a bomba por toda a paróquia.

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Mais não restava ao nosso herói do que debandar para junto dos seus e obter algumas palavras de conforto. Só que as notícias voam mais depressa que o vento e, por essa razão, quando chegou ao largo, apenas deparou com o sítio da fragonete do Bítaro.

As coisas estavam a correr tão bem… ele tinha sido gajas, música fixe, bom uisque, cucas altamente, e sei lá que mais, nessa noitada. E agora, às nove menos um quarto, tudo tinha ido por água abaixo…. Felizmente que o doce lar não era muito distante. Tó saiu, cabisbaixo, até encontrar a fechadura enferrujada do portão que lhe daria algum tempo de repouso. Quem sabe se, um par de horas depois, tudo não estaria resolvido? Porque, afinal de contas, ele era, e continuaria a ser, o grande Tó Morcego!

Àquela hora, como era habitual, todos dormiam ainda, em casa. Pensou em tomar um duche antes de se deitar para expurgar o mal que lhe invadia a alma, porém isso iria dar muito trabalho. Tomaria banho “de manhã”, quando acordasse. O nosso Tó estava exausto. Talvez fosse da idade. Ainda há bem pouco tempo, aguentava, na boa, três diretas seguidas. Agora, mal conseguia passar vinte e quatro horas sem passar pelas brasas. Tão extenuado que estava, que mal se deitou, adormeceu. E começou, imediatamente, a sonhar.

Profundamente mergulhado no reino do onírico, o protagonista desta novela revelou todos os seus anseios, frustrações, emoções recalcadas e desejos mais íntimos. Sonhava, vejam lá, que tinha sido eleito Presidente da Câmara Municipal!

Notas para putos e malta de má memória
Seguidores – Eram mesmo reais. Não eram do Facebook nem do Instagram, porque… ainda não havia redes sociais.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

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João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

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