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Os clássicos contados à Moda do Porto

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Os Andrades

Parte 2

Foi bem o Pedrinho até chegar àquela idade complicada das grandes decisões. Estudava no Seminário, primeiro ciclo para alcançar a batina, já a mamã tinha decidido que havia de prosseguir, claro, para o Seminário Maior e formar-se padre. Mas os dezasseis anitos do Pedro queriam outras missas e assim de repente viu-se metido em copos e saias, a convite de colegas mais velhos de Ermesinde, que lhe garantiam que a terra era mesmo de gajas boas.

Afonso de Andrade frequentava cada vez mais a coletividade do bairro, refugiava-se nos negócios e na jogatana com os amigos e evitava falar do filho, que nem ligava a futebol. Eduarda agradecia ao Senhor a dádiva de filho tão prendado e converteu-se ao beatismo com toda a sua força. Os dois iam vivendo de costas voltadas no palacete que compraram na Boavista, que tinha tantos quartos que não dava para contar pelos dedos das duas mãos. Pensarem que o herdeiro daquela fortuna jazia numa das frias camaratas do Seminário dava a um tristeza e desilusão e à outra conforto e gratidão por ter tido a bênção de ser agraciada com um filhinho tão prendado, estudioso e que, acima de tudo, a adorava.

Mas Pedrinho já quase não dormia onde era suposto dormir. Em vez disso, laureava a pevide por boîtes e casas de alterne e ia estourando a farta mesada que os pais, religiosamente, depositavam no Banco. Ia também pouco às aulas, alegando todo o tipo de doenças como justificação, e, quando ia, rapidamente aterrava de tão cansado que andava. Foi apanhado várias vezes pelos professores a bater de choco na última carteira, roncando como um porco, no mais profundo dos sonos. O primeiro ano do Complementar dos Liceus já ia no Batalha, ainda nem o segundo período ia a meio. Conseguira, fruto de um esquema bem montado, controlar o Rodolfo, que era o irmão que ia levar as cartas ao correio, abafar toda a correspondência enviada do Seminário para o Palacete Andrade & Andrade da Boavista. E assim tudo corria de feição para o jovem Pedro, mancebo magro como uma cruzeta, roda baixa, olheiras cavadas e profundas, borbulhas permanentes a amarelejar pela face, por entre os pelitos da rala barba que despontava. Com 18 aninhos acabados de fazer, podia ser um caga-tacos, mas era um rei. Ponto.

Eis que, numa noite, já a caminhar para a madrugada, o ponto se transformou em vírgula. Foi na Casa Inferno, lá para os lados do Seixo, que Pedrinho conheceu o amor. Ela era o céu. Anjo e Diabo, ao mesmo tempo, com nome de santa. Maria se chamava. Como a mamã, que bom! Ia ser tótil apresentá-las. Foi paixão assolapada que no Inferno nasceu, que foi crescendo e terminou poucos meses depois em casório, com quase mil convidados, já que a mamã compreendeu e o papá, apesar de achar Maria muita areia para a camionete do Pedrinho, gostou de ver o filho abandonar a promissória carreira de abade e dedicar-se aos prazeres terrenos.

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O que nasce torto dificilmente se endireita. Foi o caso. Arrancou em força o casamento, muita felicidade, até dois putos nasceram (um casalinho!), mas depressa surgiram os azeites. Sem saber como fazer face às responsabilidades do matrimónio, Pedrinho regressou às noitadas, às farras com os amigos de Ermesinde. Era fatal como o destino. Maria reapaixonou-se por um italiano qualquer e deu de frosques, levando com ela a menina recém-nascida. Pedro ficou com o rapaz e com uns palitos do tamanho da Torre dos Clérigos. Foi de mais. Não aguentou. Pensou em dar um tiro nos cornos. E pum, deu. Foi com a nossa senhora. O drama de faca e alguidar não se ficou por aqui. Também à mamã lhe deu um achaque dos biolentos e “Ai, Afonso, que me bai dar um ataque!” E deu. Só parou na quinta das tabuletas. Os dois foram assentar tijolo para o Repouso. Afonso ficou ainda mais só no Palacete Andrade & Andrade da Boavista. Mas, desta vez, tinha, no meio de tanta desgraça, nova janela de oportunidade. Havia de educar o Carlinhos como debe de ser, carago. Este é que ia dar jogador da bola.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

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João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

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