PUB
CMPorto

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os clássicos contados à Moda do Porto

Os Andrades

Parte 1

Era o barraco mais top da ilha dos Guindais. Afonso tinha acabado de dar o nó e queria um lugar à maneira para viver com Eduarda, sirigaita de parar o trânsito, daquelas de comer e chorar por mais. A Foz inteira andava ao cheiro dela, mas tinha sido ele, mano de pé rapado, vindo do outro lado do Marão, com uma mão à frente e outra atrás, que lhe tinha dado a volta à mioleira. Foi num bailarico lá para os lados de Miragaia que os seus olhos se fixaram no costado bem à mostra da gaja. Por pouco tempo, é verdade, já que rapidamente desceram e depararam com um daqueles nalgueiros que, balhamedeus, era uma bomboca. De início, a boazona não lhe deu bola e deixou-o a falar para a central. Andava, de certezinha, à caça de cão graúdo. Ai é isso que tu queres, fiúza? Não perdes pela demora, pensou Afonso, com a dele bem fisgada.

Decidiu tornar-se ricaço. Ou, pelo menos, méne da alta, com poder e algum pastel para impressionar Maria Eduarda. Começou a ganhar uns guitos na transfega de caramelos de Tuy, mas a concorrência era forte e o mercado já estava controlado pelo maralhal da Ribeira. Passou para o negócio das carnes, onde, rapidamente, ganhou fama e proveito. Seis meses depois, no dia do Baile dos Bombeiros de Miragaia, já Afonso era Dr. Afonso de Andrade e Andrade. Foi para o laré de cu tremido, num chaço comprado em segunda mão, mas que era ganda banheira. À guna é que não ia andar mais! Tudo fruto do trabalho, onde, com muito suor, tinha mais de cem meninas a aviar cabritos para ele. Tinha de tudo e para todos os gostos. Com época de saldos e outras promoções, tipo cartãozinho de carimbar onde, à quarta, o tombo era à pala.

Logicamente, Eduarda, desta vez, devolveu o olhar e ofereceu-lhe a mão para a dança. Meia hora depois, ofereceu-lhe a mão para outras coisas. E as ofertas, nos dias que se seguiram, não pararam. Parecia beléque fraidei, a toda a hora. Mas isto de dar tem que se lhe diga. E de tanto dar, no mês seguinte, foi a vez da jeitosa exigir. E não era pobre a pedir. Queria casamento marcado, que os acontecimentos tinham levado um rumo inesperado e vinha rebento a caminho. E, com o caraças, já levava nome de batismo e tudo. Pedrinho haveria de se chamar, sentenciou a donzela.

Afonso era homem do Norte. De uma só palavra. E a palavra que lhe saiu foi “ya, na boa”. Comprou casa nos Guindais. Barraco de quatro assoalhadas com fachada com vista para o Douro. Um verdadeiro palácio. Pedrinho de Andrade havia de crescer como um lorde. Ser um atleta e talvez até, quem sabe, jogar no FêQuêPê.

Mas rapidamente, gaita, o sonho se transformou em pesadelo. Eduarda era salazarista e salazarenta, fã incondicional do galã de Santa Comba. O mel passou a fel e foi ela que passou a vestir calças lá em casa. O tanas que o Pedrinho ia ser futebolista, decidiu Dona Eduarda Andrade. Ia era estudar para padre, que, esses, sim, lebam uma vida flauteada, num fazem um caraças e têm sempre graveto. E se quiser comer uma gaja, perguntou ainda, debilmente, Afonso. Como vai fazer o rapaz? Vai andar sempre à segóvia? Eduarda não se intimidou. Tinha resposta para tudo, era quilhada. Olha, se não quiser pegar de empurrão, tem as gajas que quiser! E, pondo um ponto final, à conversa, rematou:

PUBLICIDADE - CONTINUE A LEITURA A SEGUIR

– Fosga-se, tás-te a fazer de lorpa, ó murcom? Até parece que num sabes que a tua irmã anda enrolada com meio bispado, lá em Bila Real.

Afonso sabia. Era a vergonha dos Andrades. E assim nasceu a carreira episcopal de Pedrinho da Maia.

… leia a continuação na próxima quarta-feira.

João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor

PUBLICIDADE

PUB
Prémio Literatura Infantil Pingo Doce