Mano Pinto de Sousa
Capítulo III
Na tasca do Jaquim, que ficava mesmo no rés-do-chão por baixo do apartamento, naquela manhã, o falatório era o sucedido com a Leninha. Na mesa mais sombria, entre um fino e tremoços, Manel e Jorge lamentavam a má sorte.
– Mano, foi tudo c’o caraças…
– Calma, Manel. Já tratei de tudo.
Jorge, que tinha bons contactos na igreja, controlara a situação. Iam todos para o convento. Manel nem queria acreditar.
– Mas tu passaste-te ou andas a fumar daquilo que faz rir, mano? Mas bamos para o combento por alma de quem? Quer-se dizer, aparece aqui um méne que ninguém sabe quem é, diz que é o home da minha mulher – e que seija! – e um gajo bai assim dar cabo da bida? Dasse!
Manel levantou-se, cheio de spide, com o firme intuito de mandar Jonas dar uma curva ao bilhar grande. Mas nem teve tempo de dizer ‘desampara-me a loja”, porque Madalena entrou, nesse momento, na tasca. E, uns segundos depois, apareceu Maria. E Telmo. Enfim, entraram todos na loja. Todos menos Jonas Galhudo, que ficou à porta, de ouvido em riste, a tentar perceber o que se passava. O Senhor Joaquim apressou-se a perguntar o que ia ser. Ah, pois, porque quem entra na tasca tem que tomar qualquer coisa, tipo consumo obrigatório.
Uns neguinhos para cá, uns finos para lá, mais uns bagacinhos e tudo foi servido. Com pagamento adiantado, claro.
Como ninguém abria o bico, na qualidade de sacerdote do estabelecimento, Joaquim tomou a faladura. Paleio do rigoroso. Falava bem o homem. Não contava era com a obra do imprevisto que fez com que Maria se engasgasse com o bagaço. Desatou a tossir desalmadamente, embarrou no busto do Pedroto que ornamentava o balcão e o Zé do Boné de ferro maciço caiu-lhe em cheio na mona. Foi tal a murcelada que nem tempo teve de dizer água vai. Ficou logo ali, estatelada no chão, e passou à condição de falecida, com lugar marcado na Quinta das Tabuletas. Tão grande foi o desgosto que Manel e Madalena perderam o amor à vida e acabaram por ceder aos desígnios que Jorge predestinara: ela foi para o Convento das Irmãs Descalças, ele para os Capuchinhos, com voto de silêncio para o resto da vida.
Jonas, do seu cantinho, observou que talvez fosse melhor dar de frosques de fininho. Foi buscar a bandeira do Imortal, regressou à camioneta e voltou para Albufeira. Nunca mais se soube dele. Sorte teve Telmo, que ficou com tudo e tornou-se uma referência incontornável do lobby gay de aquém e além Douro.
… FIM.
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João Carlos Brito
Professor, linguista, escritor