
Da boca dos mais velhos – que melhor conhecem os segredos deste prato típico – ouve-se, muitas vezes, que as “Tripas à Moda do Porto” são a prova histórica do espírito de sacrifício dos portuenses, herdado já desde o século XV.

Cientes da importância da expedição para o orgulho nacional, os homens decidiram falar com os habitantes da cidade e todos reuniram esforços em torno do pedido do infante. Não quis, então, a Invicta, que os marinheiros falhassem a conquista por falta de alimento. “O peixe era apanhado em alto mar e as carnes conservadas. Por isso, a plebe matou um grande número de animais, concedeu a carne para o abastecimento das embarcações e ficou apenas com as tripas”, contou Alberto Lemos, presidente da Confraria Gastronómica das Tripas à Moda do Porto.
Em tempo de crise, os cidadãos começaram a congeminar uma forma de aproveitar as vísceras dos animais e eis que surge a primeira versão das “Tripas à Moda do Porto”. Ainda sem o feijão a acompanhar o petisco (uma vez que só chegou à Europa uns séculos depois), o prato conquistou o estômago e o coração dos portuenses, os “tripeiros”. Assim, tal como explicou Alberto Lemos à Viva, as típicas tripas “são quase tão importantes como a portugalidade”. “Nasceram na altura dos descobrimentos, na época em que as naus tinham de ser abastecidas”, confirmou, salientando que a oferta da carne revela um pouco da personalidade dos portuenses. “São pessoas muito dadas, capazes de tirar a camisola por alguém”, defendeu o responsável.
Mais recentemente, o prato típico da Invicta viu-se ameaçado, mas os portuenses recusaram baixar os braços e desistir de um orgulho de séculos. “Curiosamente, a confraria também apareceu numa altura histórica – quando surgiu a doença das vacas loucas”, contou o presidente da entidade, explicando que, como a utilização das vísceras e da carne junto aos ossos foi proibida, os responsáveis da restauração viram a ameaça que pairava sob o prato tradicional.
No entanto, acrescentou Alberto Lemos, “está provado que o estômago [única víscera utilizada nas ‘Tripas à Moda do Porto’] não contribui para a propagação da doença”, pelo que o prato continuou a conquistar um número crescente de fãs. Os turistas, esses, conseguem saborear melhor a especialidade antes de saberem o que estão a comer. “Os estrangeiros, se souberem o que é o prato, torcem o nariz. Os que não sabem, comem e adoram”, revelou o presidente da Confraria, entre risos.

Ultrapassado o receio de que a doença das vacas loucas pudesse assombrar as tradicionais tripas, o célebre cozinhado conquistou o apoio de artistas, políticos e conhecidas personalidades da cidade, que acreditam que no dia 10 de setembro o prato será uma das 7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa.
Para Luís Filipe Menezes, presidente da autarquia de Vila Nova de Gaia, quem não votar nas tripas, através de SMS, chamada telefónica, facebook ou do site www.7maravilhas.pt, “não é um bom portuense”. “Temos de ganhar aos Pastéis de Belém. É uma obrigação de todos votarem nas Tripas à Moda do Porto”, apelou.
O autarca considera também que o país está a atravessar a altura mais indicada para recordar os sacrifícios que estiveram na origem da especialidade. “A promoção das tripas é a mais adequada à realidade que vivemos no país”, destacou, acrescentando que a fome foi convertida “num prato de referência apetitoso, apreciado por todas as classes”. “Acho que, se calhar, está na altura de o país passar a comer tripas em vez que caviar”, apontou Menezes durante a cerimónia de apresentação da candidatura do prato ao concurso, na qual estiveram presentes os padrinhos da iniciativa, Rui Veloso e Rosa Mota.
Texto: Mariana Albuquerque
Fotos: Arnaldo Campos