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Somos do Porto, carago!

Somos do Porto, carago!

“Mas que briol!”

É tempo dele, é certo, mas, mesmo assim, não nos cansamos de (ouvir) dizer “Está um briol!” e há, até, quem complemente a expressão com um pouco recomendável palavrão… O facto de a pronunciar frequentemente não aquece, mas dá algum conforto, dirão alguns.

Esta é uma palavra que não é património exclusivo dos portuenses (nem dos nortenhos), mas é, com toda a certeza, muito mais usada por quem é do Porto ou do Norte do que por falantes do resto do país, o que nos leva a pensar que, muito possivelmente, terá nascido algures por aqui e, posteriormente, se terá espalhado, como um vírus, por aí fora. Tal acontece porque a língua é um fenómeno vivo e sempre em mutação. Com exceção dos territórios insulares, não há fronteiras, barreiras ou muralhas a separar, de forma estanque, por exemplo, um eventual falar portuense do transmontano. E as palavras não são propriedade exclusiva de ninguém. Por esse motivo, é óbvio que, ao ler determinada entrada classificada, aqui, como propriedade do portuense, alguém do Minho afirme que também a usa, podendo acontecer o mesmo com outro das Beiras ou de Trás-os-Montes. Ou até de outros territórios mais longínquos, mas que, por qualquer acontecimento estrutural ou pontual, pode coincidir na questão da propriedade de determinado vocábulo ou expressão.

É perfeitamente normal que isso aconteça. As pessoas sempre se moveram, sempre comunicaram, sempre influenciaram e sofreram influências. Mesmo assim, parece claro que há prevalências (e grupos socialmente mais influenciadores). O fenómeno geológico que nos pode ajudar a compreender esta complexa questão da “paternidade” lexical é o sismo. Há sempre um epicentro e, à medida que nos vamos afastando, as ondas vão ficando mais suaves, atenuando o efeito do terramoto. As palavras são um pouco assim, também. Terão, seguramente, o seu centro de criação e de propagação (coisa que é extremamente complicado de definir, na maioria dos casos) e, depois, com o afastamento geográfico, se não houver fenómenos localizados em contrário, o seu uso, e a frequência do uso, vai-se esbatendo.

O facto de o Norte ser, em geral, mais frio do que o resto do país não é alheio ao uso mais frequente e, muito provavelmente, à propriedade de um vasto léxico alusivo a este tema. Afinal, quem é que, nascido no Porto, não sabe o que é “estar um griso dos diabos”? Qual o tripeiro que não se prepara para a chuva, levando um “chuço”? E haverá algum nortenho que, quando “está um barbeiro do carago”, não evite as correntes de ar e corra a fechar a porta? Mas a minha preferida é, de longe, o briol.

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É também curioso constatar que, embora a maior parte das pessoas a use, reconheça o seu significado e saiba aplicá-la em contexto, muito poucos saberão exatamente de onde terá origem a palavra “briol”. E é disso que falamos no artigo de hoje: nas possibilidades etimológicas e etnográficas que poderão ter estado na génese desta expressão que, como mais nenhuma, serve para demonstrar o frio que se sente. E, por falar nisso, tem estado cá um briol…

Briol

Frio

Que briol significa frio intenso não há dúvida (mas, curiosamente, noutras regiões, também designa vinho de fraca qualidade), pois o vocábulo é reconhecido como tal não apenas no Porto e no Norte, mas por grande parte dos falantes de todo o país. Briol terá a sua origem etimológica no briol castelhano. Mas qual a sua origem semântica? A primeira possibilidade poderá ser a briologia, que é o ramo da botânica que estuda os musgos e, sabendo-se que se encontram nas partes mais sombrias, indicando o Norte, poderá ser por aí, pois é o lado que está sempre mais frio. Por outro lado, briol é também, no vocabulário náutico, um cabo de ferrar as velas de uma embarcação, o que também faz algum sentido, pois são as velas que acolhem mais ventos e, por conseguinte, mais frio.

No entanto, o mais provável é que a palavra seja uma corruptela pelo uso popular de varíola, uma doença fatal que foi considerada desaparecida em meados da década de 70 do século XX. Provocava estados febris intensos em que o calor alternava com estados de frio gélido. A palavra era difícil de pronunciar para o nosso povo, que, como muitas vezes acontece, tratou de a simplificar! Passando o “v” para “b” (betacismo), fenómeno muito normal no Porto e acentuando a palavra da forma mais comum na língua portuguesa, ou seja, passando de esdrúxula (o povo nunca se deu bem com esta forma de acentuar) a grave, que é o mais frequente. E temos uma “nova” palavra: bariola… que rapidamente terá passado a briol ou, pelo menos, terá dado origem ao briol, como estado de frio intenso, provocado pela tal doença letal.

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