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Simplificação dos procedimentos de contratação pública e políticas antifraude: podemos defender os dois?

Simplificação dos procedimentos de contratação pública e políticas antifraude: podemos defender os dois?

Vivemos tempos algo dúbios no que diz respeito à definição de políticas públicas em torno da contratação pública. Se, por um lado, temos assistido, ao longo da última década, a uma (alegada) crescente preocupação em torno do combate a fenómenos como a corrupção ou a fraude nos procedimentos adjudicatórios públicos, a verdade é que, por outro, a evolução legislativa nesta matéria deixa traços cincados…

Com as mais recentes alterações promovidas pela Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, introduziu o legislador um conjunto de alterações significativas no que tange com as normas nacionais de contratação pública: (i) por uma banda, criou as comummente designadas “medidas especiais de contratação pública”, que se resumem a admitir a simplificação de um conjunto de procedimentos já existentes e à permissibilidade de serem adotados procedimentos por convite em contratos de valor significativamente mais elevado; (ii) por outra banda, procedeu a uma relativamente ampla modificação do próprio Código dos Contratos Públicos.

Pois bem, ultrapassando a bondade (ou falta dela) de muitas das alterações introduzidas por esta legislação (algumas delas já questionadas, inclusivamente, pela Comissão Europeia), em absoluto contraste com a manifesta simplificação – eufemismo para, em bom português, se disfarçar o facilitismo –, é com relativa surpresa que assistimos a um conjunto paralelo de medidas que minimizam o efetivo controlo e fiscalização no mercado público.

Com efeito, além do aumento do limiar atinente à fiscalização prévia do Tribunal de Contas (que passou de 350 mil euros para… 750 mil euros), permitiu-se que a grande maioria dos contratos a celebrar ao abrigo de tais procedimentos simplificados – por natureza, menos abertos à concorrência do mercado – apenas fossem sujeitos a uma fiscalização concomitante, isto é, ao contrário da fiscalização prévia (que tem lugar em momento anterior à produção de efeitos de um contrato, sendo condição da sua eficácia), um mecanismo que apenas opera já durante a execução dos próprios contratos que visa fiscalizar.

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O que se impõe esclarecer, para o comum dos leitores, é que a fiscalização prévia, pelo Tribunal de Contas, constitui uma forma de verificação, ex ante¸ da legalidade dos procedimentos de adjudicação de contratos celebrados por qualquer entidade pública, evitando, por conseguinte, que muitos problemas venham a ser detetados apenas após a execução desses mesmos contratos fiscalizados – numa expressão, “mais vale prevenir que remediar”.

Com o respeito que mantenho pelas instâncias fiscalizadoras, cuja incumbência é zelar pelos interesses financeiros do Estado – com especial apreço, claro está, pelo próprio Tribunal de Contas –, e fazendo apelo ao que tenho tido oportunidade de escrever acerca da formação especializada como ferramenta de combate à fraude e à ilegalidade (tantas vezes involuntárias), entendo que os sinais contraditórios que nos são deixados pelo próprio legislador fazem perigar o sentido de responsabilidade que deveríamos assumir na execução da tão esperada bazuca comunitária (que reservou uma fatia significativa dos fundos para execução pela própria Administração Pública).

Tudo isto, claro está, a par do cinismo de um legislador que apregoa o combate à corrupção e à fraude como bandeira unânime de toda uma nação para, num segundo momento e longe dos holofotes, permitir uma efetiva redução dos mecanismos de controlo prévio – reservando-se para eventuais responsabilizações póstumas…

Ricardo Maia Magalhães
Advogado e Coordenador do Curso de Especialização em Contratação Pública do Iscte – Executive Education

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