“Quem vê caras não vê corações” lembra a sabedoria popular. E embora se não refira literalmente ao órgão do corpo humano, também em relação a este se aplica com propriedade. Neste Dia Mundial do Coração [29 de setembro], apropriamo-nos deste aforismo para uma chamada de atenção para a saúde cardiovascular.
As doenças cardiovasculares (DCV) são a principal causa de morte em muitos países, incluindo Portugal, afectando milhões de pessoas em todo o mundo e contribuindo para hospitalizações, incapacidade para o trabalho e diminuição da qualidade de vida dos doentes, com custos significativos para todos, enquanto sociedade. Este importante impacto negativo tem sido amplamente divulgado e será do conhecimento de uma proporção significativa de portugueses.
Menos presentes, no entanto, parecem estar as manifestações em que se traduzem essas doenças e as atitudes a tomar perante elas. As DCV podem ter uma apresentação com sintomas agudos, geralmente resultantes do bloqueio abrupto da circulação sanguínea no coração, como no enfarte do miocárdio (dor no peito, falta de ar súbita) ou no cérebro, como no acidente vascular cerebral isquémico (AVC) (instalação rápida de paralisia ou alteração da sensibilidade dos membros, “boca ao lado”, alterações da linguagem, entre outros). Estas são situações críticas em que é fundamental activar o sistema de assistência médica de emergência (112), uma vez que o tratamento precoce pode ter uma repercussão muito significativa na evolução e sequelas da doença.
Mas devemos ter em mente que subjacente ao enfarte do miocárdio e ao AVC está geralmente a acumulação gradual de placas de gordura e cálcio nos vasos sanguíneos (aterosclerose), que evolui ao longo de anos de forma mais ou menos silenciosa. E assim podemos estar assintomáticos, ter uma “boa cara”, enquanto o nosso coração (tal como o cérebro) sofre as consequências da aterosclerose, tornando-se num “mau coração”.
Outra DCV que muitas vezes só é diagnosticada tardiamente é a insuficiência cardíaca, outra situação em que a uma “boa cara” poderá corresponder um “mau coração”. Nos seus estádios iniciais esta patologia pode causar sintomas que são inespecíficos, como o cansaço ou a falta de ar e que surgem apenas em situações de maior esforço; o inchaço das pernas pode ser ligeiro. Estas manifestações podem ser, e são-no muitas vezes, atribuídas a outras causas (até à idade) pelos próprios doentes, familiares e até pelos médicos. E, no entanto, a insuficiência cardíaca é frequente – é a principal causa de internamento acima dos 65 anos em muitos países. A sua mortalidade é superior a algumas das formas mais comuns de cancro. É, portanto, fundamental estar alerta para esta doença e os seus sintomas, porque um diagnóstico precoce permitirá o seu melhor controlo pela instituição atempada de terapêutica comprovadamente eficaz.
A boa notícia é que podemos em grande parte prevenir as DCV. A adopção de um estilo de vida saudável, com uma dieta equilibrada, a prática regular de exercício físico, a moderação no consumo de álcool e a abstinência tabágica são peças fundamentais dessa prevenção. Essas medidas permitem também evitar ou controlar melhor outras doenças que são, elas próprias, factores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose. A hipertensão arterial, a hipercolesterolemia, a obesidade ou a diabetes estão associadas a um risco significativo de DCV pelo que os doentes com estas patologias devem ser devidamente tratados e acompanhados, de forma a minimizar esse impacto negativo na sua saúde. Porque “mais vale prevenir que remediar”, cabe a cada um de nós um papel activo na promoção da saúde cardiovascular, não só a título individual, como na comunidade e na sociedade em geral. Ponhamos mãos à obra!
Joana Pimenta
Assistente Hospitalar Graduada de Medicina Interna, Centro Hospitalar S. João, EPE