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Rosana Sousa

Rosana Sousa

Segundo confinamento é “um golpe na nossa saúde mental”, alerta psicóloga Rosana Sousa

Numa altura em que a pandemia sofre um agravamento exponencial em Portugal, com milhares de cidadãos a enfrentar um segundo confinamento, em parte mais desafiante do que o primeiro, decretado em março e abril passado, a VIVA! falou com uma psicóloga clínica e procurou saber qual o impacto deste segundo confinamento na vida dos portugueses.

Será que estávamos psicologicamente preparados para confinar de novo? Que consequências poderão resultar desta medida? Como podemos gerir a ansiedade nesta fase difícil para todos? Que eventuais problemas parentais e conjugais poderão surgir? E quais as principais dicas para programar um dia “fechado em casa”? Rosana Sousa respondeu a estas e outras questões com a máxima transparência e sem medo das palavras, acreditando que o comportamento dos portugueses dependerá sempre “da comunicação que lhes é feita e da perceção do risco com que ficam”.

No entanto, não tem dúvidas: este segundo confinamento é “um golpe na nossa saúde mental” e resultará num “agravamento” de sintomatologias como depressão, ansiedade e stress em grande parte da população portuguesa, como se verificou no ano passado. “É fundamental estarmos atentos aos sinais de desgaste psicológico, isto é, quando o «mal-estar» começar a ocorrer com frequência ligar para o SNS 24 – linha de aconselhamento psicológico ou contactar um psicólogo”, alerta uma das responsáveis da HICOA- Hipnose Psicologia Coach, em Matosinhos.

A regra é, novamente, ficar em casa. Que impacto é que este segundo confinamento poderá ter na vida dos portugueses?

É um golpe na nossa saúde mental, uma vez que existe já uma saturação, de cada um e de todos, desta insegurança, frustração, impotência e angústia. As pessoas são diferentes, têm necessidades diferentes e, por isso, reações díspares. No entanto, esta alteração constante das imposições externas e das alterações da informação que nos chega sobre o covid-19 gera um grande desequilíbrio nas pessoas. Um segundo confinamento acentuará o sofrimento psicológico porque grande parte dos grupos mais vulneráveis não tiveram acesso a um acompanhamento psicológico, portanto nestas situações tendencialmente o quadro será agravado.

No primeiro confinamento, levantaram-se problemas como depressão, ansiedade, stress. O que poderá resultar deste? 

Um agravamento dessas sintomatologias. A nossa vida está alterada e vai alterar e isto leva a que as pessoas tenham uma perceção de medo. Nesse momento, surgem várias emoções negativas como tristeza, raiva, revolta, stress e ansiedade, que não têm que ser encarados como um problema. Podem ser processos adaptativos e que têm sempre um ritmo muito individual. No entanto, é fundamental estarmos atentos aos sinais de desgaste psicológico, isto é, quando o “mal-estar” começa a ocorrer com frequência ligue para o SNS 24 – linha de aconselhamento psicológico ou contacte um psicólogo. Nestas situações, é frequente desencadearem-se perturbações depressivas e ansiosas que devem ser tratadas precocemente.

Estávamos psicologicamente preparados para confinar de novo? 

Ninguém está preparado para ver a sua liberdade tão condicionada. As pessoas estão cansadas, estão há muito tempo com a necessidade diária de ativar os mecanismos internos e quando sentiam que tudo estava a acalmar, regressaram a um novo confinamento. Portugal é dos países europeus com maior prevalência de doenças mentais e a resposta pública fica muito aquém. Nunca se ouviu falar tanto em saúde mental e continuamos sem um reforço significativo de respostas no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Em que é que este novo confinamento será diferente do primeiro, decretado em março e abril de 2020? 

A experiência intensa de medo, as questões sociais de desemprego, de pobreza, de ameaça e as condições económicas fazem com que as pessoas não tenham perspetivas securizantes a curto prazo… e isto agrava as condições psicológicas individuais.

De que forma quem está em casa, a tempo inteiro, poderá continuar a viver o seu dia? É importante manter ou criar novas rotinas? 

É muito importante manter rotinas e, obviamente, ajustá-las se fizer sentido. O dia a dia de quem está em casa deve manter-se: adormecer e acordar à mesma hora, vestir-se e arranjar-se para ir trabalhar, como se fosse presencialmente, manter o horário das refeições e outras rotinas que possa adaptar a esta fase de confinamento.

Quais são as principais dicas para programar um dia “fechado em casa”? 

1) Encontre uma rotina;

2) Defina um tempo diário para praticar técnicas de respiração e de relaxamento para controlar a ansiedade;

3) Faça pausas sempre que a sua ansiedade se intensificar;

4) Faça exercício físico sozinho ou com amigos através das redes socias;

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5) Mantenha contacto com familiares e amigos;

6) Encontre um tempo diário para fazer alguma atividade de lazer que goste particularmente (ler, ouvir música, ver um filme…);

7) Ocupe o tempo com o que sempre quis fazer e não tinha tempo.

Como podemos gerir a ansiedade no período de confinamento? 

Identifique e escreva os pensamentos que estão a perturbar; projete-se no futuro de uma forma positiva; confie nas suas capacidades para lidar com situações difíceis, perceba que estratégias o ajudaram a lidar com situações anteriores, use-as e adapte-as. É importante estabelecer objetivos concretizáveis e informar-se com fontes fidedignas.

Que consequências poderão surgir depois de, pelo menos, um mês, novamente confinados? 

Antes da pandemia, Portugal já tinha uma das populações da Europa com mais problemas de saúde psicológica, alicerçada num baixo nível de competências socio emocionais, baixa literacia em saúde, pobreza, desemprego, exclusão social, solidão e isolamento e um baixo acesso aos serviços de psicologia. Neste momento temos um agravamento de quase todos estes preditores. O impacto psicológico vai ser enorme e precisamos de respostas. Talvez seja o momento para ser concluído o concurso de colocação de psicólogos que se iniciou em 2018.

Poderão existir problemas parentais? Conjugais?  

Poderão surgir dificuldades. A parentalidade na pandemia é particularmente exigente e desafiante, porque traz profundas mudanças nas rotinas da família. A casa passa também a ser a escola, o ATL. Para qualquer pai / mãe é um desafio à criatividade.

Relativamente aos problemas conjugais, normalmente os casais quando passam mais tempo juntos é nas férias, onde existe uma expectativa de um momento de relaxamento. No confinamento, como existe uma grande tensão e as pessoas têm formas diferentes de lidar com a incerteza, podem evidenciar-se os problemas e as lacunas da relação.

Como acha que os portugueses estão a encarar este segundo confinamento? Com a mesma paciência e esperança que o primeiro?  

As pessoas quando expostas a estímulos repetidos por um longo período de tempo criam um efeito de habituação, sendo esperado que o efeito inicial seja esbatido. Num primeiro confinamento “o culto do medo” fez com que as pessoas ficassem em casa, neste confinamento será necessário ajustar a comunicação de modo a promover a responsabilidade.

Qual a razão para muitos jovens, semanas antes deste novo confinamento, por altura dos festejos do Ano Novo, continuarem a juntar-se, em festas, sem utilização de máscaras e não acatarem as medidas recomendadas? 

Os jovens foram à priori a faixa etária com maior incumprimento dessas medidas, mas não a única. A fadiga pandémica tem implicações quer no processamento da informação recebida, quer no comportamento das pessoas. No entanto, existe uma espécie de “anestesia do medo”.

Que previsão faz do comportamento dos jovens para este novo confinamento? 

Este comportamento vai depender também da comunicação que lhes será feita e da perceção do risco com que ficam. Se houver risco, e eu não tiver a perceção desse risco, não vou agir em função desse mesmo risco.

O país, e os portugueses, principalmente, aguentariam um terceiro confinamento caso viesse a ser necessário? Porquê? 

Um terceiro confinamento trará consequências avassaladoras quer para o país, quer para os portugueses. No entanto, não considero fundamental esta questão neste momento. Acho que a comunicação do momento atual aos portugueses deve ser feita com mais ciência psicológica na comunicação. Falo, concretamente, de um discurso adaptado a cada população e faixa etária, mais legitimação do cansaço e das dificuldades individuais, mais compaixão, mais empatia e menos culpabilização.

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