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O país que existiu durante 800 anos entre Portugal e Espanha

O país que existiu durante 800 anos entre Portugal e Espanha

Habituamo-nos, desde pequenos, a ouvir falar sobre a riquíssima história de Portugal. Mas, e se vos disser que a história ignora, há décadas, uma parte importante do passado ibérico? Parece surreal, mas é verdade. Referimo-nos a Couto Misto, o micro-estado independente que, poucos conhecem, mas que, durante séculos, existiu entre Portugal e Espanha.

Escrevemos Couto Misto, como também poderíamos ter escrito Couto Mixto, em galego. Mas, a verdade é que estas diferenças de escrita e pronúncia também não interessam, porque os habitantes daquele território, que tanto eram portugueses como espanhóis, uma vez que podiam escolher a nacionalidade que quisessem, embora, a maior parte das vezes escolhessem ser “mistos”, viviam em plena harmonia, celebrando a história quer de um país quer do outro.

Com aproximadamente 27 km de extensão, a origem deste território ainda é muito nebulosa e, regra geral, um assunto que origina grande controvérsia. Não se sabe, ao certo, quando tudo começou, embora muitos historiados façam coincidir a origem do Couto Misto com o nascimento de Portugal, no século XII. Em relação à sua constituição, há quem defenda que derive de um foral de D. Sancho I, outros dizem que seria um refúgio onde os criminosos iam redimir as suas penas e há, ainda, quem evoque a história de uma princesa que ficou presa num nevão, grávida, enquanto atravessava a serra, sublinha a National Geographic. Reza essa lenda que os habitantes do Couto lhe salvaram a vida enquanto dava à luz, pelo que, a princesa, agradecida, lhes concedeu a independência e com ela, todos os privilégios de que deveriam beneficiar.

Entre os direitos e privilégios deste pequeno território, estava a isenção de impostos, uma vez que não lhes era exigida qualquer obrigação para o pagamento de taxas a qualquer um dos países fronteiriços, o asilo para os foragidos da justiça portuguesa ou espanhola, o de não darem soldados nem para “um lado nem para o outro” assim como a liberdade de transportarem as suas próprias mercadorias sem serem intercetados. “Havia no Couto Misto uma estrada, o Caminho do Privilégio, que o atravessava e ligava às suas três localidades – Rubiás, Meaus e Santiago – a Tourém. Nesta estrada, onde qualquer podia passar, as autoridades não podiam prender ou perseguir ninguém, ainda que se transportasse contrabando, especialmente tabaco”.

Mas, a possibilidade de escolha da própria nacionalidade terá sido, sem dúvida, o privilégio mais significativo e distintivo dos habitantes deste micro-estado independente. O momento em que, tradicionalmente, decidiam a nação a que queriam pertencer era no dia das bodas. Os habitantes que optavam por Portugal colocavam a letra “P” à porta de casa e os que optavam por Espanha colocavam a letra “E” e bebiam à saúde de um dos reis.

Contudo, tanto estas como outras particularidades do território não eram vistas com agrado pelas duas coroas, razão pela qual, mais tarde, se começaram a questionar sobre os privilégios do Couto Misto. É que, na verdade, os habitantes não eram sequer obrigados a utilizar documentos de identidade pessoais, não estando, por isso, sujeitos aos efeitos jurídicos de nenhuma das nacionalidades.

Então, em 1864, já lá vão mais de 150 anos, a assinatura do Tratado de Lisboa, pôs fim à terceira república da península ibérica e, de certo modo, apagou-a da história. O estado português e o estado espanhol acordaram numa divisão fronteiriça específica, apoiada em mapas, ainda hoje em vigor entre os dois países. Rubiás, Meaus e Santiago ficaram a pertencer a Espanha e para Portugal ficaram os povos promíscuos de Soutelinho, Lamadarcos e Cambedo.

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[Destaque]

A situação política no Couto Misto era semelhante à de uma república. Os chefes de família elegiam, através do voto, um governo, composto por um juiz que, por sua vez, escolhia dois outros por cada uma das povoações, conhecidos como os “homes de acordos”.

E hoje, o que é feito de Couto Misto?

Segundo contam os historiadores, em 1990 ter-se-ão iniciado esforços para proteger e conservar a identidade deste pequeno estado histórico, que, oficialmente, já não existe com essa designação. Foram criadas algumas associações, de forma a que não se deixasse apagar o nome deste microestado, e recuperaram-se tradições, como a eleição do Juiz Honorário e de os “homes de acordos”.

Quem pretender descobrir mais sobre este pedaço da história portuguesa, que se encontra na província de Ourense, dividido entre as vilas de Baltar e Calvos de Randín, e faz fronteira com as freguesias de Padroso, Donões e Mourilhe, em Montalegre, pode fazê-lo através dos trilhos disponíveis.

Pelo passeio irá, certamente, encontrar a estátua do último juiz de Couto Misto, Delfín Modesto Brandán, um monumento de referência para todos os visitantes. Com sorte encontrará, também, o tal Caminho Privilegiado, mas, tenha cuidado, porque não lhe garantimos que beneficie dos mesmos privilégios que os antigos habitantes.

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