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Outono no Porto: Tempo (também) de sostrice e de laurear a pevide!

Outono no Porto: Tempo (também) de sostrice e de laurear a pevide!

Depois de um ano de trabalho, de muitas incertezas, preocupações, restrições e confinamentos, agora que a pandemia vai permitindo (mas sempre com muita cautela!) nada melhor do que os dias temperados do Outono para umas escapadinhas de fim-de-semana para nos dedicarmos a uma atividade que só nós, que somos do Porto e do Norte, dominamos na perfeição: a sostrice! De facto, em algumas modalidades, não há quem nos tire a medalha de ouro. Essa é uma delas. Outra é laurear a pevide. Mas, meus caros moinas, tenham isto bem presente: só se dá à sostrice e sabe aproveitar os momentos de lazer para laurear a pevide quem trabalha. E não tenhamos dúvidas de que o Porto foi, é e continuará a ser terra de gente trabalhadora. Haverá exceções, claro, mas, no geral, esse é um sentimento nobre, tão nobre como a cidade que nos viu nascer.

Há coisa melhor do que alapar a seira no maple sem quaisquer freimas e passar pelas brasas, descansadinho, e só ter que acordar para pôr os pés debaixo da mesa e encher a mula? Duvido que haja quem não concorde. Pelo menos uma ou duas vezes (ou três ou quatro, vá lá…) é obrigatório em tempo em que não é preciso bergar a mola.

Por outro lado, é tempo para conhecer melhor o nosso património. A penantes ou de cu tremido, é hora de laurear a pevide! O Porto e o Norte têm um mundo por descobrir… à nossa espera. Com gente e paisagens fantásticas. Morfos que, balha-me Deus, são de lamber a beiça. Uma autêntica perdição para quem (ainda) pensa que vai continuar de dieta.

Finalmente, um último pedido: mande o dicionário oficial, por uns tempos, às favas e aproveite para praticar esta nossa única e maravilhosa forma de comunicar, o nosso “portoguês”, o nosso “nortenho”, um léxico genial cheio de palavras e expressões de enorme riqueza e originalidade, que põe os trengos do Sul completamente à norinha!

Se, como diz Gedeão, não se nasce impunemente nas praias de Portugal, também não é menos verdade que quem o Norte adotou como gente sua fica marcado para a vida com esse fado. O nortenho possui um léxico muito próprio, grande parte do qual ainda resistente na atualidade à tentativa de padronização da língua que alguns tentam impor, como se não falar com a pronúncia ou com as palavras politicamente corretas do chamado português padrão fosse um crime e uma vergonha.

Pois é verdade que os tempos mudam e as palavras acompanham as novas necessidades. Também é certo que o fundamental é que exista comunicação entre os falantes e que todo o tipo de ruído deve ser banido para que tal aconteça. Mas, admitamos, seria uma perda irreparável deixar morrer palavras e expressões que são tão nossas, que ouvíamos dos nossos pais e avós, e que imediatamente são conotadas com o Norte que nos viu nascer. São as nossas raízes. São o nosso passado que faz o presente e constrói o futuro. Somos nós. Somos Porto. Somos Norte!

Deixo-vos com três palavras-aloquete (palavras-chave e passeuardes são para outras paragens…) para os próximos 30 dias: “laurear a pevide”, “maple” e “sostra”.

Um Outono do carago para todos.

Laurear a pevide

Vadiar | Passear

Esta é uma expressão muito utilizada no Porto e no Norte. Significa vadiar ou, como se diz, andar no laré.

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Laurear é uma adulteração do verbo larear e, no sentido figurado, pode também significar festejar, passear sem grandes preocupações. Trata-se de um verbo que, na maioria dos casos, sobretudo do nosso povo, não é muito utilizado para dar corpo ao seu significado primeiro (premiar, coroar de louros), mas é aplicado frequentemente neste sentido. Já no que diz respeito à segunda parte da expressão, a ‘pevide’, no sentido mais carroceiro, é o mesmo que traseiro… ou seja, laurear a pevide é andar a passear o traseiro por aí, sem destino, sem qualquer preocupação de ter que trabalhar ou cumprir uma função.

Maple

Poltrona | Sofá

Para os falantes do Porto, um maple é uma poltrona, um sofá de um lugar apenas. Verdade seja dita que a palavra é reconhecida em outras regiões portuguesas com este significado, mas com muito menos frequência. Trata-se de uma palavra com evidente formação no inglês, que nem sequer foi aportuguesada. Logo, nem sequer é reconhecida como cadeirão em muitos dicionários.

Acredita-se, por estes lados, que tem a ver (uma vez mais) com a importância da comunidade britânica na cidade que, sobretudo a partir das invasões napoleónicas, se fixou no Porto e aí desenvolveu os seus negócios. O que o povo conta é que os ingleses, habituados e luxos e mordomias e a “excentricidades” pouco comuns na cidade, terão começado a encomendar da ilha de sua majestade poltronas (ou, com saudades do seu confortável assento, a trazer de casa a sua velha cadeira almofadada), que eram transportadas para o Porto por via marítima nuns contentores onde se podia claramente ver a inscrição “MAPLE”. Os portuenses, à força de tanto verem e transportarem esses contentores para casa dos “lordes”, e por trazerem as tais poltronas, começaram a chamar-lhes maple.

Sendo, sem dúvida, um caso em que a marca cria o nome do objeto que vende, há duas versões em relação a quem seria o tal “Maple”, que também significa, em inglês, um tipo de árvore ou arbusto (o ácer). Enquanto alguns assumem ser o nome, apenas, da empresa de transporte dos contentores, outros apontam para o renomado fabricante de móveis do século XIX, Sir John Blundell Maple, que fabricava e transportava as poltronas.

Sostra

Preguiçosa | Mulher de pouco asseio

Uma sostra, pelos lados do Porto, é uma mulher preguiçosa, gorda ou pouco limpa. Neste último caso, os falantes da Invicta têm um sinónimo igualmente delicioso, que é “badalhoca” até porque a palavra poderá ter origem no étimo ‘xostra’, que designa sujidade ou no seu significado arcaico que apontava para crosta, nódoa ou mancha.

Para as gentes do Porto, não há dúvidas: uma sostra é aquela (também é possível utilizar a palavra para o masculino, mas é muito mais raro, até pelo machismo sempre presente da língua) que não gosta de trabalhar e/ou é muito pouco dada a limpezas, sobretudo às domésticas. Para completar o alcance, os portuenses criaram igualmente o vocábulo “sostrice”, o estado de pura manguelice de quem não faz rigorosamente nada e se entrega completamente ao ócio.

João Carlos Brito
Professor, linguista e escritor

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