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Num gostas? Bai-te quilhar!

Num gostas? Bai-te quilhar!

Um dia tinha de acontecer. Este é um artigo quilhado… Vamos falar de onde terá nascido esta forme rude e grosseira (mas, ao mesmo tempo, bem divertida) de comunicar, que é o calão. E, como exemplo, utilizamos o tão nortenho “Vai-te quilhar!”. Que parece ter nascido junto ao mar, nas zonas portuárias.

Muito do calão que se utiliza terá nascido das transações comerciais realizadas junto aos portos de pesca e comerciais. Daí que muitas das expressões tenham como referente objetos ou atos da gíria náutica. Só que os falantes encarregaram-se, num determinado momento e a propósito de um certo assunto, de lhes atribuir um segundo sentido, normalmente pejorativo e insultuoso. Ou então, como também parece ter acontecido, para demarcar uma forma de falar rude para impressionar o oponente na luta de palavras, em que, muitas vezes, ganhava o verbalmente mais forte.

De facto, como pode imaginar-se, trabalhar, comprar ou vender nas docas e nas zonas portuárias, há alguns séculos, não era tarefa para meninos. Era uma luta constante, por exemplo, no ato de transacionar um produto, em que quem vendia queria o preço mais alto e quem comprava queria justamente o contrário. Ao fim e ao cabo, as coisas não mudaram muito, nos nossos dias. Mas, felizmente, há outras regras e outros argumentos que não apenas a persuasão e a intimidação verbal.

Termos como “vai-te quilhar”, “pôr-se na alheta”, “bigorrilhas”, “cagaréu”, “contas à moda do porto”, “coia” e tantos outros terão tido origem nestas zonas e são corrupções ou adaptações de palavras relacionadas com o mar, os rios, os navios. Ou seja, com a realidade náutica. Depois, os falantes levaram-nas terra dentro (e também pelo mar a outras terras!) e espalharam-nas, como um vírus, contribuindo para a formação de novas e divertidas palavras, que hoje muitos usam, no seu dia-a-dia. Desconhecendo, curiosamente, a proveniência destas palavras. Algumas delas bem quilhadas…

Vai-te quilhar!

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Desaparece | Não me aborreças

Vai-te quilhar significa causar prejuízos ou embaraços a alguém; o mesmo que tramar, lixar, prejudicar. Quilhar é enganar, pregar partida a alguém; É, pois, uma ordem de não aborrecer e “dar de frosques”.

A palavra original é a alemã Kiel e chegou a Portugal pelo francês quille. No campo semântico, existem duas possibilidades: a primeira hipótese é a palavra ser uma derivação de codilho, que é um lance, nalguns jogos de vaza, como a sueca, em que os parceiros ganham ao feito, isto é, pode dar-se ou levar codilho quando, por exemplo, se recorre a situações menos lícitas. Codilhar, o verbo, designa lograr, enganar. Mas o mais provável é que o sentido venha diretamente de quilha, que é uma peça inferior longitudinal, de madeira ou ferro, do navio que, na parte inferior, vai da popa à proa, e na qual se fixam as peças laterais.

Importa relembrar que uma boa parte do calão carroceiro tem por inspiração os termos náuticos e portuários e que os falantes destes ambientes terão sido, ao longo dos tempos, transmissores privilegiados desta forma de falar. Assim, fala-se num ritual de iniciação ou de punição em que os novos marinheiros para ascenderem à condição de “verdadeiros homens do mar” seriam sujeitos a uma dura prova, que seria mais ou menos isto: eram atados, pelos pés, com uma forte corda e lançados ao mar, por um dos lados do navio. O que teriam de fazer era, precisamente, nadar sob a embarcação e, mais precisamente, por baixo da quilha e aparecer do outro lado. Desta forma, estariam a ser quilhados, um ritual, obviamente, nada agradável.

João Carlos Brito
Professor, linguista e escritor

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