A generalidade das forças vivas da região Norte, e nomeadamente do Grande Porto, manifestaram-se contra a decisão da TAP sobre a retoma dos voos aéreos no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, criticando a decisão da companhia de forte redução da atividade no aeroporto do Porto e exigindo uma profunda mudança de atitude da TAP.
O presidente da Câmara do Porto sustentou que a retoma da operação da TAP deve abranger o Aeroporto Francisco Sá Carneiro “numa proporção idêntica à que existia antes da crise”. “Sem tréguas” é o título do artigo de opinião assinado por Rui Moreira, publicado domingo no Jornal de Notícias, e no qual o presidente da Câmara do Porto lembra que a retoma da principal região industrial do país não pode fazer-se sem transporte aéreo e que um arranque “desequilibrado”, “a duas ou mais velocidades” “inquinará, em definitivo, todo país em direção ao abismo económico, financeiro e social”.
“Não é preciso explicar que precisamos, na reabertura da economia, de transporte aéreo regular a partir do Aeroporto Francisco Sá Carneiro. A região tem uma taxa de cobertura da balança comercial de 140% e as empresas, que impulsionam as exportações do país, necessitam de ligações aéreas para garantir o negócio. Também o turismo irá voltar”, começa por dizer Rui Moreira.
O autarca acredita que “o mercado resolverá o problema a prazo, mas, na atual situação, o transporte aéreo necessita de estímulos para arrancar. É essa a razão pela qual os governos terão de conceder às companhias apoios que as salvem da bancarrota e as relancem na operação”.
Rui Moreira recorda os bastidores da “guerra séria” que há quatro anos se travava entre a transportadora aérea e o Porto, e que deu origem ao livro “TAP – Caixa Negra”, escrito juntamente com Nuno Santos.
“Vivemos, depois, uma batalha que a TAP não venceu. Como tínhamos previsto, houve outras companhias que aproveitaram a ocasião e a procura crescente pela região Norte e ocuparam as rotas abandonadas. Depois, com a saída de Fernando Pinto, para quem a decisão de tudo concentrar em Lisboa tinha mais de obsessivo que de estratégico, e a chegada de Antonoaldo Neves, adepto da ‘realpolitik’, a TAP foi retomando a operação no Porto”. “Sobre os planos da TAP para reatar as suas operações, podemos concluir que não houve uma inflexão estratégica nessa relativa retoma; havia, apenas, uma trégua conveniente. Como o JN anunciou e eu denunciei em duas entrevistas, a TAP irá arrancar com 71 rotas a partir de Lisboa e 3 no Porto (Paris, Londres e Funchal). E, ao que se sabe, esses voos serão escalas da operação de Lisboa”. Para o presidente da Câmara do Porto, se a TAP fosse privada “e não necessitasse de ajudas de Estado, seria legítimo que assumisse livremente essa estratégia. Contudo, é uma empresa participada a 50% pelo Estado português e reclama agora um gigantesco apoio estatal”.
Rui Moreira diz entender a posição que o ministro Pedro Nuno Santos assumiu nos últimos dias “e que parece ter causado algum desconforto entre os seus pares, porque desnudou os erros que foram cometidos na privatização da TAP e na posterior reversão por parte do Governo do PS”. “Compreendo aquilo que diz quando fala de Estado soberano e quando não aceita «bancar sem mandar». Porque ele diz exatamente o que escrevi em 2016″, acrescenta Rui Moreira.
“Enquanto presidente de Câmara do Porto, sinto-me no direito de exigir que a retoma da operação da transportadora abranja o nosso aeroporto numa proporção idêntica à que existia antes da crise. De outra forma, se isso não for exequível em tempo útil, recuso-me a aceitar que dinheiros públicos ou o aval soberano, que são bens de todos os contribuintes, sejam mobilizados apenas para salvar uma empresa de gestão privada, e que tem – porque quer ter – um âmbito meramente regional”, refere.
E acrescenta: “se em condições normais de mercado é complicado ao Norte olhar para a sistemática assimetria de investimento público, que a região vai suprindo «fazendo das tripas coração» e através da iniciativa privada, numa situação de congelamento da economia, em que o número de voos chegou a quase zero e é transversal a todas as companhias aéreas, um arranque desequilibrado aprofundará ainda mais essas assimetrias e inquinará, em definitivo, todo país em direção ao abismo económico, financeiro e social. Porque a isso estará destinado um país a duas ou mais velocidades”.
“Não estamos em condições normais de mercado. E se o dinheiro público que o Estado destina à TAP não servir para equilibrar oportunidades e defender a sua região mais produtiva, então servirá apenas para cumprir um capricho, que sairá caro a todos os portugueses”, escreve Rui Moreira. O autarca considera que, “a ser assim, insistindo a TAP nesta estratégia desequilibrada, então os apoios do Estado deverão ser dirigidos para as transportadoras que estejam interessadas em retomar prontamente a operação, distribuída pelos aeroportos nacionais e não só Lisboa”. “Não tenho dúvidas que, com menos dinheiro e mais empenho, a Ryanair ou a Easyjet, que têm bases no Porto e também empregam trabalhadores portugueses, estarão disponíveis para retomar o serviço”, acrescenta.
O presidente da Câmara do Porto termina com um excerto do livro “TAP – Caixa Negra”: “Quanto aos interesses do Porto – e esses eu conheço bem -, era bem melhor que a TAP fosse totalmente privada ou totalmente pública e que a situação fosse clara. Se a TAP for privada, podemos lidar com ela como com qualquer outra companhia. Mas, se for pública, o Porto não pode nunca, mas nunca, cansar-se de falar e até, se preciso for, de falar à Porto”.
Também a presidente da Câmara de Matosinhos, Luísa Salgueiro, afirmou que “o Norte não pode aceitar que a companhia aérea de bandeira nacional reduza a sua operação de forma desproporcional e exigiu que a TAP não discrimine o Aeroporto Sá Carneiro nas suas decisões operacionais de curto e médio prazo.
Entretanto a Área Metropolitana do Porto frisou que a decisão da TAP sobre aeroporto Sá Carneiro “é errada” e “só pode ser transitória” até que o Governo “assuma de vez” a gestão. No sábado, em declarações à agência Lusa, o presidente da Área Metropolitana do Porto (AMP), Eduardo Vítor Rodrigues, avançou que já falou com o primeiro-ministro, António Costa, e que “conta voltar a falar na próxima semana”, tendo o “compromisso político” de que estas situações serão corrigidas.
“Julgo que há boas perspetivas de estarmos apenas perante uma decisão de transição neste período de retoma e que, como todos esperamos, o Governo assuma de vez a gestão da TAP — seja uma nacionalização total ou parcial — e nessa altura temos o compromisso político de que estas situações serão corrigidas”, disse Eduardo Vítor Rodrigues.
À Lusa, Eduardo Vítor Rodrigues considerou a situação “inaceitável” e “errada”, considerando que a intervenção do Estado português no núcleo acionista da transportadora aérea “tem de ser rápida”, por “ser urgente não deixar cristalizar esta situação”. “Mais do que me preocupar como presidente da AMP, preocupa-me como português. Neste momento em que se fala da entrada maioritária do Estado nos capitais da TAP, é absolutamente impensável que isso signifique um país a várias velocidades, porque mais vale pensarmos que a TAP passa a ser uma companhia regional. É preciso que os impostos dos portugueses sirvam para uma companhia de bandeira que tem de olhar para o território português como um todo”, disse Eduardo Vítor Rodrigues. O também presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia frisou a convicção de que esta é uma “situação transitória”, a qual, no entanto, já lhe “custa perceber”, sublinhou.
“É evidente que a capacidade operacional da TAP não é imediata. Já me custa perceber que nessa transição haja uma desigualdade de tratamento, portanto só posso admitir que seja uma questão meramente de transição”, repetiu. Eduardo Vítor Rodrigues apontou que, se a situação “não for corrigida”, se transformará “num problema sério para toda a região e para o país”, começando “a ser difícil justificar que o Estado entre no capital da TAP se for para resolver um problema de Lisboa”. “É uma decisão errada que resulta de estarmos perante uma empresa que neste momento não é do Estado. O acionista Estado neste momento não manda, portanto é bom que se comece a resolver rapidamente o núcleo acionista da TAP para o Estado mandar e corrigir”, frisou.
O autarca aproveitou para lembrar que a União Europeia está a permitir que os Estados ajudem as companhias de bandeira, o que não inclui as ‘low-cost’, temendo que nessas circunstâncias “as companhias ‘low-cost’ retraiam a sua operação porque também foram afetadas [pela pandemia da covid-19] e não vão ter apoio público nenhum”. “E toda a gente sabe que as ‘low-cost’ foram durante muito tempo um elemento estruturante do turismo e atividade comercial. Por isso precisamos mesmo da TAP, até para compensar essa componente”, afirmou o presidente da AMP.
Eduardo Vítor Rodrigues acrescentou, por fim, que ao turismo acresce a “muita atividade económica” feita a partir da região Norte, lembrando o papel e o peso de empresas exportadoras ligadas a vários setores, nomeadamente ao calçado e aos têxteis.
“É impensável e obviamente estaremos com muita atenção a acompanhar o processo e temos de reivindicar uma solução justa e julgo que vai acontecer”, concluiu.
Também este sábado o presidente da Câmara de Viana do Castelo apelou para a intervenção do Governo no sentido de aumentar o número de rotas no aeroporto do Porto, enquanto a presidente da Câmara de Matosinhos disse, à Lusa, na sexta-feira que via com “muita preocupação” a proposta da comissão executiva da TAP.
Também o PS/Porto considera “discriminatória” diminuição da operação da TAP no Aeroporto do Porto num contexto de reativação económica na sequência da crise provocada pela covid-19. Em comunicado, divulgado pela Lusa, a Federação Distrital do Porto do PS manifesta confiança de que o Governo “contribuirá para uma TAP sem marginalizações regionais e medidas centralistas de desinvestimento”, depois de notícias de que, quando retomar a atividade interrompida pela pandemia, a TAP vai ter 71 rotas a partir do aeroporto de Lisboa e três com partida do Porto.
“A Federação Distrital do Porto do PS não aceita discriminação da região Norte na operação da TAP. A atividade da companhia aérea tem que preservar o interesse nacional e assumir o compromisso de defender a coesão territorial através de uma operação frequente e robusta a partir do Aeroporto do Porto”, defendem os socialistas.
Para o PS/Porto, “qualquer cenário de quebra da operação da TAP é ainda mais grave considerando que a sobrevivência da empresa depende agora da ajuda financeira do Estado”. “Confiamos que o Governo está atento a esta situação e que contribuirá para a alteração da estratégia e para a garantia de uma TAP de Portugal e de todos os portugueses, sem marginalizações regionais e medidas centralistas de desinvestimento”, afirmam.
De acordo com o PS, “as últimas notícias relacionadas com a diminuição da operação da TAP a partir do Aeroporto do Porto, no contexto de reativação da economia nacional na sequência da crise causada pela pandemia da COVID-19, motivam preocupação”. O PS refere que motivam, também, “a necessidade de se encontrar uma solução que mantenha ou até incremente os níveis de operacionalidade da companhia aérea no serviço que presta à Região Norte”. “A confirmar-se, esta eventual decisão da Comissão Executiva da TAP, inteiramente composta pelos acionistas privados, prejudica gravemente a economia da região”, alertam.
Para os socialistas, “se a decisão for mantida comportará riscos elevados, nomeadamente no que diz respeito às exportações do Norte, que representam mais de 40% do volume nacional”. A isto soma-se a “atividade do turismo, que muito ajudou ao dinamismo económico dos últimos anos e que se espera que seja retomada assim que as condições de Saúde Pública o permitam”. “O Aeroporto do Porto assumiu-se, ao longo dos anos, como uma infraestrutura determinante na ligação a várias cidades da Europa. Assim, a diminuição da operação da TAP é discriminatória para com o distrito do Porto e o Norte do país”, lamentam. “Agrava as discrepâncias entre Lisboa e o Porto na disponibilidade do transporte aéreo e no acesso à atividade de uma companhia que é de bandeira e, que pelo menos em teoria, é nacional, tendo por isso, a obrigação defender o interesse de todo o País”.
Já o ‘Porto, o Nosso Movimento’, movimento independente liderado pelo presidente da Câmara do Porto, considerou, em comunicado, “insultuoso” para a região que a TAP “enquanto pede dinheiro público para sobreviver” planeie retomar atividade “com uma desproporção no número de rotas”.
Os Trabalhadores dos Transportes repudiam também plano da TAP para o Porto
O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes da Área Metropolitana do Porto (STTAMP) repudiou hoje o plano de reativação da TAP com três destinos a partir do Norte, considerando que tal põe em causa o relançamento da economia regional.
“A intenção da TAP, ainda que não confirmada, de retomar três destinos a partir do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no [distrito do] Porto, enquanto planeia reativar 71 destinos à saída do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, num plano faseado compreendido entre meados do mês de maio e o início do mês de julho, põe claramente em causa o relançamento da economia numa região fortemente industrializada”, alerta em comunicado o STTAMP.
A possibilidade de, na sequência da pandemia de covid-19, a TAP retomar, no Porto, apenas os destinos do Funchal, Londres e Paris merece do sindicado o “veemente repúdio”, acrescenta, vincando que “a administração da companhia não pode esquecer-se de que a TAP é a transportadora aérea nacional” e “tem responsabilidades para com a totalidade do território”.
“Num momento de tentativa de recuperação de uma crise sanitária como a que vivemos, [a TAP] constitui uma plataforma de criação de riqueza que, pelo facto de equalizar as oportunidades das várias regiões, irá certamente daí obter valor para si própria”, refere o sindicado.
Para o STTAMP, “não é de todo inteligível que a TAP possa sequer conjeturar um plano operacional de reativação desta natureza, ignorando os 13 milhões de passageiros movimentados pelo Aeroporto do Porto em 2019”. O sindicato refere que o Aeroporto Francisco Sá Carneiro é “uma infraestrutura com uma capacidade geográfica de atracão de cinco milhões de pessoas, onde se inclui o norte de Espanha mas também o centro do país, uma vez que 25% dos passageiros que utilizam o Aeroporto do Porto se encaminham para zonas a sul da região”. O STTAMP nota que “o turismo do Porto e Norte tem vindo a desenvolver um trabalho de articulação com outras organizações nacionais e internacionais no sentido de criar iniciativas e desenvolver campanhas de promoção que dinamizem a retoma de um setor que tanto tem dado ao país”.
“A componente do transporte aéreo é indubitavelmente uma pedra chave deste sucesso. A utilização dos transportes coletivos terrestres por um número cada vez maior de pessoas que visitam o nosso país em lazer é também um facto absolutamente incontornável”, observa o STTAMP.
O Governo está a analisar a eventual concessão de apoios públicos à TAP, para assegurar a sua continuidade, segundo o relatório e contas da empresa pública Parpública, que detém 50% da companhia aérea. Atualmente, a TAP tem a sua operação suspensa quase na totalidade e, no âmbito das medidas de apoio às empresas impactadas pela pandemia de covid-19 na economia, recorreu ao ‘lay-off’ simplificado dos trabalhadores. Na quinta-feira, em entrevista à RTP, o primeiro-ministro recusou-se a colocar já na agenda qualquer revisão do plano estratégico da TAP e adiantou que o Governo vai aguardar pelo quadro europeu de medidas para o setor da aviação civil.
Desde 2016 que o Estado (através da Parpública) detém 50% da TAP, resultado das negociações do Governo de António Costa com o consórcio Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), que ficou com 45% do capital da transportadora. Os restantes 5% da empresa estão nas mãos dos trabalhadores. O Estado tem administradores no Conselho de Administração da empresa (administradores não executivos), sendo os administradores da Comissão Executiva nomeados pelos acionistas privados.
A TAP anunciou que vai retomar a atividade a partir do próximo dia 18 — interrompida pela pandemia da covid-19 — com 71 rotas a partir do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, e com apenas três com partida do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, na Maia, distrito do Porto.