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Mundo Segundo

Mundo Segundo

“Abraço com facilidade o meu sotaque, a nossa forma de ser: onde vou, sou sempre igual. Sou sempre Porto, sou sempre Gaia, sou sempre Nortenho. É algo que me corre nas veias e é indissociável daquilo que eu sou”

Edmundo Silva, mais conhecido como Mundo Segundo, é um produtor e MC de Vila Nova de Gaia. É um dos cinco elementos de um dos grupos pioneiros do movimento hip-hop nacional, Dealema, que vem da “Escola dos 90” e conta com um vasto trabalho a solo desde 2006, a par de muitos outros projetos e colaborações.

Em conversa com a VIVA!, o músico revelou muitas curiosidades destes quase 30 anos de carreira, reflexões sobre o movimento hip-hop ao longo das décadas e declarou o seu amor à cidade do Porto. Anunciou também projetos para o futuro e até algumas novidades exclusivas, que vamos partilhar consigo neste artigo, em primeira mão.

Antes de passarmos ao Mundo Segundo… Quem é o Edmundo? Que características te definem?

O Edmundo é um jovem de 45 anos, nascido e criado na Serra do Pilar. Tive uma infância passada entre a casa dos meus pais e a casa da minha avó, sempre fui um miúdo bastante introvertido, mas a partir da minha adolescência (quando perdi o meu pai, por volta dos 14 anos), o gosto pela música levou-me a ser um pouco mais extrovertido e a procurar mais amigos, relacionar-me com outras pessoas, o que acabou por dar uma volta de 180º em relação à pessoa que eu era na minha infância.
Aquilo que me define: Sou amigo do meu amigo, leal e tenho respeito por todos de igual forma, independentemente do estatuto, crença ou outra coisa qualquer.

E o que mais gostas de fazer no teu tempo livre?

Gosto de passear, de viajar – mais pelo campo do que pela costa, considero-me uma pessoa mais do campo –, de conviver… Gosto muito de comer (*risos*) e de andar de mota.

Já que falaste que gostas muito de comer, há algum prato que seja o teu preferido?

Há vários, na verdade. Eu não como carne, por isso tudo o que for peixe eu gosto. Gosto muito de sushi, marisco… Gosto bastante de comida vegetariana, também, mas digamos que a comida oriental atrai-me bastante.

Muito bem! E agora passando para a parte profissional: Qual foi o momento em que tiveste o “click”, ou seja, em que soubeste que querias enveredar pelo movimento hip-hop como MC?

Acho que aconteceu de forma natural. Apaixonei-me pela cultura hip-hop em 1993/94, mais concretamente pelo breakdance, que foi como eu comecei. Comecei a fazer breakdance através de um amigo, que também fazia graffiti – eu nunca fiz graffiti, mas sempre gostei bastante da arte em si – e cerca de um ano ou dois depois de estar mergulhado na arte de rua como b-boy, comecei a apaixonar-me lentamente pela escrita. Já gostava de escrever; como é óbvio não escrevia em formato rap, mas escrevia prosa livre já há algum tempo.
A minha mãe cantava fado de forma amadora, o meu irmão tocava guitarra e era vocalista de uma banda de música popular portuguesa, então a poesia de certa forma já estava intrínseca em mim. Eu nunca liguei muito, sempre fui mais ligado ao desporto, mas depois de perder o meu pai, na adolescência, ou seja, quando me envolvi mais na música, a poesia começou a fazer mais sentido para mim. Foi mais ou menos nessa altura que, naturalmente, passei de b-boy a produtor e MC.

Relativamente ao teu trabalho como produtor: Como é que nasceu a tua editora, o 2º Piso?

O 2º Piso era um cantinho, um quarto que tinha em casa da minha falecida mãe. Era o quarto da minha irmã; quando ela saiu de casa eu apoderei-me dele e comecei a conviver ali com os meus amigos, naquele cantinho, passávamos lá a tarde mesmo antes de ser um espaço “musical”, na brincadeira e a conversar. Eventualmente passou a ser um estúdio e à medida que íamos comprando material ia tornando-se mais profissional, mas foi um espaço que nasceu naturalmente, não foi algo que foi pensado.
Depois, quando comecei a estar mais por dentro do mundo do hip-hop, muita gente veio do Sul (e não só) para visitar o 2º Piso e convivemos ali, gravámos músicas… era um espaço de convívio onde todos nos sentíamos bem, era um espaço diferente. Há muitos registos em vídeo e fotografia que contam um pouco dessa história. As paredes estavam cobertas de “tags” e graffiti, apesar de ser um espaço dentro de casa tinha o ambiente urbano próprio da cultura.

Geralmente as raízes de um artista influenciam a obra. Uma pessoa que nasça e cresça no Porto à partida terá uma realidade diferente de quem nasça e cresça noutras localidades. Com isto em mente, diz-nos: como é que achas que o Porto e Gaia te influenciaram? Não só como artista, mas também como indivíduo.

De múltiplas formas. Primeiro porque as pessoas do Porto são boas anfitriãs, gostam de ajudar o próximo e isso às vezes vê-se pela vizinhança. Não quer dizer que em todos os sítios seja igual, mas se vieres de fora à cidade do Porto vais logo notar essa grande característica: as pessoas são mais afáveis, gostam de receber bem, de te pôr a comer bem, de te levar a sítios históricos para que possas conhecer mais sobre a cidade… e isso como é óbvio influenciou-me, não só como músico, mas como pessoa, faz parte da minha forma de ser – a forma da cidade faz parte da minha forma de ser. Tudo acontece com bastante naturalidade, não penso que por ser do Porto tenho de ser de uma forma diferente. Abraço com facilidade o meu sotaque, a nossa forma de ser: onde vou, sou sempre igual; sou sempre Porto, sou sempre Gaia, sou sempre Nortenho. É algo que me corre nas veias e é indissociável daquilo que eu sou.

Desde a década de 90, o hip-hop tem vindo a sofrer transformações, não só pelas influências internacionais, mas muito também devido aos Dealema. Ao longo dos anos, quais foram os principais desafios, tanto a nível coletivo como individual, ao lidar com essas transformações?

A maior dificuldade é quereres evoluir e crescer num país onde o espaço para crescer não é assim tanto. A população é reduzida, o número de pessoas que consome hip-hop de forma leal não é assim tão grande… Por vezes achamos que o hip-hop é grande em Portugal, e é, mas só até irmos lá fora e percebermos que somos um micro-organismo nesta grande roda dentada que é o hip-hop mundial.
A maior dificuldade acaba por ser essa: subsistir na arte e torná-la “rentável” para que consigas continuar a investir no teu projeto – porque todos os projetos artísticos requerem investimento. Às vezes não há esse retorno de forma proporcional ao que estás a investir, o que torna a evolução mais lenta. No geral – não só no hip-hop, mas na música em geral e nas outras formas de arte como a dança, teatro, cinema, etc – em Portugal é difícil derivado um pouco à falta de apoios e público que possa potenciar as pessoas que assistem a espetáculos e que consomem a arte para continuar a alimentar este “motor”… porque se conseguíssemos viver de ar e vento era espetacular, acho que toda a gente gostava, mas não é assim. (*risos*)
A grande transformação que se nota hoje é que, por exemplo, no nosso início (Dealema) era um pouco mais difícil ter verbas para investir nos projetos para que crescessem de uma forma sustentada. Nós tivemos muitas vezes que tirar dinheiro do nosso bolso porque, de certa forma, tirando o primeiro disco que editamos pela NorteSul (que era uma subsidiária da editora Valentim de Carvalho), todos os outros discos foram feitos por nós – gravação, mistura, masterização, capa, videoclips, manufaturação dos discos – todo o investimento feito no grupo vinha do dinheiro dos nossos trabalhos e vidas pessoais. Atualmente há artistas que com alguns anos ou até meses de trabalho já conseguem criar uma “fanbase” e agenda com espetáculos marcados de forma a ter algum retorno monetário que lhes permite investir no projeto e evoluir.
A grande diferença é essa: hoje em dia há mais público, o que é positivo, na altura era tudo muito mais difícil principalmente a nível logístico.

Achas que apesar de haver um número maior (de público) agora, o movimento antes tinha mais força por ser “do contra”, ou seja, por ser um movimento “contra-cultura”?

Acho que continua a haver esse movimento, a grande diferença é que atualmente o que sai para o público em geral não é aquela mensagem “contra-cultura” porque essa não é tão comercial. É mais fácil para a indústria no geral passar uma mensagem “mais colorida” ou não tão subversa, porque acaba por ser mais vendável, do que passar uma mensagem subversa que vai fazer as pessoas pensarem.
Acho que a mensagem contra-cultura continua a existir, de uma forma mais “underground”, mas continua a haver artistas novos que fazem o chamado “hip-hop clássico”, é só procurar. Por exemplo, nos anos 90, quando nós (Dealema) começamos, aquilo que estava nos escaparates eram os artistas que nós gostávamos, que representavam o hip-hop. Havia um ou outro artista que saía um bocado “do prato” daquilo que é a cultura e o movimento hip-hop, mas no geral, os que apareciam na MTV e passavam nas rádios eram os artistas de hip-hop genuínos. Claro que depois as coisas vão evoluindo num sentido mais lucrativo e esse tipo de hip-hop foi perdendo um pouco o espaço, mas continua a existir, é uma questão de procura, de fazer o tal “digging”, como costumamos dizer, porque hoje em dia há hip-hop para todos os gostos e feitios.

Além do coletivo dealemático tiveste outros projetos, como o Sindicato Sonoro e o Terrorismo Sónico. Para ti, qual é o papel do hip-hop na cultura e de que forma esses projetos também contribuíram para a evolução do movimento?

Esses foram projetos que também nasceram de forma natural, não foi algo pensado do género “vamos fazer este projeto megalómano” (*risos*). Foram fruto de sessões que íamos fazendo, por exemplo: em 2000 passava muito tempo com o Expeão (Dealema) no estúdio e como não estávamos a criar tantas coisas com Dealema, por circunstâncias da vida, mas gostávamos muito de fazer música juntos, acabamos por criar o Terrorismo Sónico; assim como Sindicato Sonoro, que nasceu numa altura em que eu, o Berna e o Né (Barrako 27) parávamos muito juntos, fosse no Segundo Piso ou no Barrako 27.
Na música sempre houve algo que me agrada na minha história e, fazendo a retrospetiva, eu nunca fiz música pelo estatuto da pessoa ou pelo que ela representa no valor do mercado, mas sim pelos próprios valores da pessoa em si e o seu carisma. Acho que ao longo dos anos as pessoas foram percebendo isso: eu tanto faço uma música com alguém que tem muitos anos disto, como com alguém que tem poucos anos disto – o que me interessa são mesmo as pessoas. Então todos os projetos nasceram de forma natural, assim como Real Companhia, numa altura em que o Berna parava muito no Segundo Piso. Ou seja, foram pequenos marcos, mas também permitiram-me manter ativo, criar, fazer coisas diferentes e mostrar que nós realmente podemos fazer música com quem nos apetece, quando nos apetece – somos artistas independentes, temos essa liberdade criativa, e esses projetos nasceram todos dessa liberdade que eu espero que se mantenha durante muitos anos na cultura hip-hop porque esse é um dos seus cunhos principais.

Quanto ao teu trabalho a solo: começou em 2006 e desde então tens lançado vários álbuns e compilações. Nestas quase duas décadas, sentes que algo mudou na tua escrita ou até nos beats ou no tipo de produção?

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Sim, sinto que evolui bastante comparativamente ao que fazia no início. Os valores e características daquilo que eu sou e a minha sonoridade mantêm-se, mas a escrita evoluiu bastante porque vamos crescendo, vamos aprendendo a direcionar a energia do que queremos dizer, a dizê-lo de uma forma mais assertiva e aprendemos, também, mais “truques” gramaticais que vão enriquecendo a nossa linguística.
É bastante diferente, tecnicamente, do que quando comecei. Agora, o “sumo” daquilo que era no início continua lá e isso agrada-me porque foi uma mudança evolutiva e não uma mudança de 180º – a minha ideia é mesmo manter essa raiz do passado e dar-lhe um toque mais “fresco” aproveitando todas as ferramentas que agora temos à nossa disposição.

Há algum trabalho ou memória que guardes com mais carinho?

Do meu projeto a solo, talvez o meu primeiro disco. Foi o meu primeiro marco, em 2006 – já tinha a minha história a ser escrita com Dealema, já tinha feito Terrorismo Sónico e mais um monte de coisas, mas deixei-me evoluir. Apesar de ter o material em casa e se calhar poder tê-lo feito mais cedo, não, deixei-me amadurecer como pessoa e em 2006 achei que era a altura ideal para fazer o meu primeiro disco a solo.
Além disso, para quem se lembra, foi lançado no mesmo dia em que saiu a “Máscara” do Expeão – fizemos o lançamento dos dois discos no mesmo dia, em 2006, no antigo Hard Club. Foi um momento especial porque foi com um amigo com quem eu já tinha feito dois projetos (Dealema e Terrorismo Sónico) e podermos lançar no mesmo dia os nossos dois trabalhos a solo foi algo que eu vou guardar para toda a minha vida.

Continuando nas colaborações: A parceria com o Sam The Kid quebra o estereotipo da rivalidade entre o Norte e o Sul. Conta-nos: como é, para ti, trabalhar com o Sam?

Trabalhar com o Sam é, no fundo, como trabalhar com todas aquelas pessoas com quem eu gosto de trabalhar – com os Dealema, Mind da Gap, Berna, Rato54, enfim, todos os meus amigos, todos aqueles que fazem parte do meu “portefólio” – tendo esse pormenor peculiar de sermos de cidades diferentes: Porto e Lisboa, mais concretamente Gaia e Chelas. Já nos conhecemos há muitos anos, temos gostos muitos similares no que diz respeito à sonoridade que queremos fazer e já apreciávamos o trabalho um do outro há muito tempo. Conhecemo-nos no fim dos anos 90, num concerto de Mind da Gap, no ISCTE (Instituto Universitário de Lisboa) e a partir daí fomos desenvolvendo uma amizade bacana. Fui muitas vezes a casa dele, ao “quarto mágico”, ficávamos noites inteiras a ouvir instrumentais, a conversar – na altura produzíamos os dois em MPC (caixa de ritmos) e partilhávamos ali o nosso conhecimento; estávamos todos a descobrir uma coisa nova. Foi uma amizade que se foi desenvolvendo naturalmente.
É uma amizade musical, mas também é muito mais que isso – mesmo que não estivéssemos a fazer este projeto a minha conexão com o Sam ia continuar a ser muito natural: ia continuar a ligar-lhe, a perguntar como é que ele e a família dele estão, até porque conheço a família dele e tenho muito respeito por todos; é daquelas coisas na vida que eu já tinha “conquistado” em Dealema – tenho amigos ou irmãos que fazem música comigo – e o Sam é um desses irmãos.
É muito satisfatório depois dos 40 anos e depois destes anos todos a fazer hip-hop, estarmos juntos a fazer estrada, a fazer música nova e a fazermos aquilo que mais gostamos porque quando tínhamos 20 e tal anos se calhar não achávamos que isto teria tanta longevidade e que passados 20 anos continuávamos a dar concertos, gravar videoclips e tudo mais.
Eu vejo a coisa como desfrutar da viagem; estou só a desfrutar da viagem.

Visto que já se conhecem há tantos anos, como é que nasceu a ideia de formar o projeto em conjunto: Mundo Segundo & Sam The Kid?

Começámos a fazer umas músicas no final da década de 90 e inícios dos anos 2000, parávamos muito num estúdio na Cruz Quebrada. O Sam tinha uns instrumentais e fizemos um ou dois temas no máximo, mas aquilo ficou, como se diz na gíria, “em águas de bacalhau”. Passado uns anos… O Sam já tinha evoluído bastante na carreira a solo, já tinha lançado o “Pratica(mente)” – e nós também já tínhamos lançado uns quantos álbuns com Dealema – ele ligou-me e fez-me um convite: “Tu és produtor, eu sou produtor, produzimos para muita gente; era engraçado fazermos uma soundclash, levarmos as nossas MPCs e fazer uma espécie de batalha de instrumentais ao vivo”. Eu aceitei o desafio, começamos as soundclash e a malta pedia sempre para cantarmos uma música. Começou por ser uma música, depois passou a duas, a três, até que chegou ao ponto em que o pessoal queria ouvir as músicas (com rimas e tudo mais) e não os instrumentais, então quando nos apercebemos disso decidimos dar uma roupagem diferente e começámos a fazer músicas juntos.
É engraçado que as pessoas acham que a primeira música foi a “Tu Não Sabes”, mas na verdade essa foi a terceira que fizemos. Antes já tínhamos gravado a “Deixar de Ser” (com o New Max, dos Expensive Soul) e a “Gaia/Chelas”; nós vamos sempre fazendo músicas e, posso dizer-te a título de curiosidade, que temos mais já feitas: pelo menos quatro temas que estão na gaveta e vão sair a qualquer momento. Nós gostamos muito de fazer músicas e, também, de fazer vídeos; é uma paixão que temos em comum.
As pessoas muitas vezes perguntam quando sai o álbum, mas nós nunca dissemos que íamos fazer um álbum. É um projeto que acontece de forma natural, não é algo pensado com o objetivo de “abanar o mercado” porque ele é de Lisboa e eu sou do Porto. O único propósito é divertirmo-nos, fazer algo que gostamos e deixar uma marca na história do rap.

Muito bem! E há uma data prevista para essas músicas saírem?

Este ano. Éramos para ter lançado em 2023, mas acabamos por adiar porque como é uma música que tem participações vai exigir outra logística principalmente por causa do videoclip. Estamos a dar um bocadinho de tempo, mas este ano sai de certeza.

Por falar em colaborações, há algum artista nacional ou internacional com quem ainda não tenhas trabalhado e gostarias de trabalhar?

Ui, montes de artistas. Até fora do universo hip-hop. Há muitos artistas da música portuguesa com quem eu gostaria de trabalhar.
Em primeira mão, posso dizer-te que este mês (fevereiro) vou lançar um single novo, com vídeo, já fora do contexto do novo álbum que lancei (Ilustre Desconhecido), que conta com uma figura de peso da música portuguesa e isso mostra um pouco do que eu quero fazer no futuro, que é colaborar dentro do meu estilo, dentro da sonoridade hip-hop, mas trazer pessoas de fora para fazerem uma “visita” à nossa “casa”. O meu foco agora é cruzar-me com outros artistas portugueses, que escrevem em português e fazem poesia em português, fora do espectro do hip-hop, para visitar outros universos.
Por isso, dia 23 de fevereiro, vou ter um novo single na rua e… não posso revelar muito mais do que isto. (*risos*)

E, visto que estás a trazer artistas de fora para o hip-hop… O Mundo Segundo ir para fora do hip-hop, está nas tuas previsões?

Não sei, tudo pode acontecer, se forem sonoridades com que eu me identifique… Há muitos, muitos anos atrás participei num tema de uma banda de funk muito antiga do Porto, que eram os Feed, e Dealema teve uma colaboração com Blasted Mechanism (rock alternativo). Estou/estamos sempre abertos a participar noutros universos desde que nos sintamos identificados e não a pensar no sentido comercial da colaboração só porque vai dar mais visibilidade, não é isso que nos move – o que nos move é mesmo essa vontade de nos cruzarmos com outras pessoas com quem tenhamos um ponto em comum que nos permita criar música em conjunto.

O que mais gostas no Porto, como cidade, e no público portuense?

Primeiro, o público portuense é muito exigente, conhecedor, participativo, mas também se não gostarem de algo vão mostrá-lo, faz parte. Faz parte da nossa forma de ser. Mas é um dos públicos mais intensos a nível nacional, realmente gostam de interagir com o artista e mostrar que gostam daquilo que estás a fazer.
Do Porto, enquanto cidade, pá… Gosto de tudo, gosto do cheiro da cidade, da cor da cidade, da comida da cidade, das pessoas… Quando digo que gosto de tudo, gosto do que é bom e gosto do que é mau, como em tudo na vida tem de haver aqui o yin yang para nos equilibrarmos. Esta cidade tem um pouco de tudo, por isso não há nada que eu descarte dela.

Agora fala-nos do Ilustre Desconhecido. Para quem ainda não ouviu, o que podemos esperar do teu novo álbum?

O meu novo álbum é, no fundo, uma coleção de experiências de 2014 a 2023. Gosto sempre de levar algum tempo a escrever as coisas que faço a solo, então fui colecionando letras e todas elas contam uma certa fase da minha vida passada neste espaço de tempo. Não quer dizer propriamente que a experiência relatada na música tenha sido vivida durante esses anos, mas foi algo que me veio à cabeça nesse espaço de tempo. A principal característica da minha música é ser baseada em factos reais, sempre. Experiências pessoais. É uma coisa que sempre gostei desde que comecei a fazer rap, esse cunho pessoal que cada pessoa pode trazer à música que a torna distinta e única.
O próprio nome do álbum, “Ilustre Desconhecido”, é sobre isso. Para as pessoas que estão no mundo do hip-hop português eu sou Ilustre, faço parte da história, mas para o público em geral eu sou Desconhecido. Há sempre pessoas que estão a descobrir o teu trabalho pela primeira vez. Há pessoas que hoje não conhecem os teus 20 e tal anos de carreira, mas amanhã vão conhecer. Há também muitos miúdos que entram para o hip-hop e não sabem quem tu és e que aquilo que eles fazem agora foi feito por ti e por outros há muitos anos e pavimentou a estrada por onde estão a caminhar.

E relativamente a esse “novo sangue” do hip-hop, que certamente há muitos bons nomes aí a surgir com as tuas influências. Como tem sido a tua experiência como “ancião” do hip-hop português e até mentor para os novos artistas?

No geral têm esse reconhecimento e respeito. Fazem questão de o dizer, mas se calhar não tanto como nós (Dealema) quando tínhamos a idade deles. Nós sempre procuramos um pouco de mentoria dos mais velhos para perceber como as coisas são e encontrar uma direção, quais os próximos passos a dar. Hoje em dia as pessoas acabam por ser mais individuais e pensam “já sei tudo, se não souber posso perguntar ao Google”, como se costuma dizer. (*risos*)
As coisas sabem-se vivendo através delas. Por exemplo, lendo uma história de sofrimento não implica que eu agora já saiba o que é o sofrimento ou quanto ele pesa. Temos de passar pelas coisas para realmente perceber.
Mesmo eu que tenho 45 anos considero-me um eterno aluno e gosto de estar sempre a aprender. Não interessa que idade tem a pessoa com quem estou a aprender, se é mais velha ou mais nova do que eu, interessa-me aprender e adquirir mais ferramentas. E é essa ideia que eu tento passar a essas pessoas que chegam: continuem a aprender, continuem a procurar; o universo é gigantesco e está sempre em expansão.

Quanto a planos para o futuro, há algum que possas divulgar? Quem sabe um concerto no Porto, em primeira mão? (*risos*)

Vou estar presente num evento, que não posso revelar porque a entidade ainda não anunciou, um mini-showcase, que será em abril, aqui no Porto.
Vou lançar coisas novas. Em princípio em todos os projetos que tenho – isso já é uma novidade que te posso dar (*risos*) – todos os projetos que considero a minha “matriz”, a raiz daquilo que sou, como é óbvio falo de mim, a solo, de Dealema e do projeto que tenho com o Sam (Sam The Kid).
Posso dizer que vamos ter novidades!

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