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Manuel Serrão

Manuel Serrão
“Há a cultura do centralismo no país”

É uma figura incontornável da cidade do Porto. Duas pistas: adora a Invicta e é um fervoroso adepto do FC Porto. Recorda-se da emblemática “Noite da Má Língua” que invadiu os serões portugueses na década de 90, na antena da SIC? Manuel Serrão, que lá esteve, numa conversa sem filtros com a VIVA!. O prolongamento foi certo.

“O mais antigo feirante da moda portuguesa”, como Manuel Serrão se intitula, esteve com a VIVA! numa longa conversa que atravessou a sua infância e paixões como o futebol, a cidade do Porto, a gastronomia e as tendências da moda.
Fez parte de uma grande escola do jornalismo no “Comércio do Porto”, mas foi no comentário que encontrou a sua vocação na comunicação social. Esta icónica “má língua” ainda mantém contacto com Miguel Esteves Cardoso e Rui Zink, dois dos seus partenaires no célebre programa da SIC. Considera que há uma ‘cultura do centralismo’, rapidamente solucionada com a estadia dos políticos em terras distantes da capital. “ Se cada centralista passasse um ano fora da capital, o país mudava”, salienta. Agora, Serrão continua a defender as cores do FC Porto no programa da TVI 24, “Prolongamento”. Tudo isto sem defesas nem ataques. Mais moderado, portanto.

Como se descreve em criança?
Tive asma com 7 anos e era muito magro, talvez por causa disso. Entretanto, comecei a jogar mini basquetebol. Depois fui para o FC Porto. Digo com muito orgulho que fui campeão nacional de Iniciados, no ano de estreia da competição nesta modalidade. Só quando fui para o basquetebol é que comecei a crescer. No entanto, depois do 25 de Abril, troquei o desporto pela política. E passei também a crescer para os lados (risos). Não é um PREC, mas o processo continua em curso. De resto fui uma criança normal, que vivia na rua S. Tomé e jogava futebol. Lembro-me de corridas de bicicleta na rua, que, diga-se, não tinha o trânsito que apresenta hoje. Não tinha o polo universitário ao lado, por exemplo. Portanto, fui uma criança como outra qualquer na freguesia de Paranhos, onde nasci e vivi até aos 16 anos. Não era uma criança carenciada, mas também não tinha nenhum luxo especial.

Recorda-se de ver os seus pais partir para Angola?
Pois. Isso foi quando eu tinha seis anos. Fiquei com o meu tio e padrinho em Lisboa. Ainda vivi lá dois anos. Os meus pais levaram só o meu irmão. As quatro irmãs ficaram cá sempre. Lembro-me de planear ir passar lá as férias grandes, na altura cerca de três meses, com os meus pais, só que estive lá apenas 18 dias. Apanhei três doenças, quase não saí de casa e acabei por regressar. Portanto, não me lembro de nada de Luanda.

Quando foi com o tio e padrinho para Lisboa, gostou de viver nessa cidade?
Estava num colégio em que entrava às 8 da manhã e saía às 19h00. Sei que para chegar mais tarde a casa, o meu padrinho inscreveu-me, e ainda bem, na piscina da Avenida de Roma. Foi onde aprendi a nadar aos seis anos. Esta parte lembro-me e vai achar graça… Tratava-se de um colégio religioso, católico, uma escola luso-francesa. Lembro-me perfeitamente da hora do almoço e que não podíamos fazer o mais pequeno barulho. De tal maneira que na hora da alimentação, se queríamos algo, fazíamos um sinal, em que eu, quando eram pratos favoritos, estendia o sinal em dobro. Lembro-me da omelete e do arroz de salsicha… já estou a ficar com fome (risos).

E como é que, mais tarde, a família reagiu à passagem da advocacia para o jornalismo?
Eu tive a felicidade de ter uns pais que… nem sequer tentaram influenciar. Antes do 25 de Abril, eu tinha uma grande influência do meu tio e padrinho que era engenheiro químico. Era para engenharia que queria ir inicialmente. Veio, entretanto, o 25 de Abril. Comecei a envolver-me na política. Fui para Direito porque era o curso mais usual das pessoas que andavam na política. Fui para Lisboa, pois não havia faculdade de Direito no Porto. Tinha que ir para Coimbra ou para Lisboa. Como era de direita dificilmente entraria em Coimbra. Ao fim de dois anos na faculdade da Católica comecei a ter queda para as disciplinas de gestão. No entanto, podia perder um ano, se quisesse mudar para esta vertente. Com o meu pai a fazer tanto esforço financeiro, não tive coragem. Fiz, então, o meu dever. Com média de treze. Treze era ‘sabe tudo que é obrigatório’. Lembro-me que no terceiro ano tive treze a tudo. Havia orais obrigatórias. Eu chegava lá e dizia-me o professor: ‘já tem treze, quer provar que sabe mais’? E acabei, então, o curso com a média de treze valores. Quem tem mais que treze é porque investiu.

Até que ponto o seu pai [Daniel Serrão] foi marcante na sua vida?
A figura paterna é sempre basilar no nosso percurso. Paterna e materna. Eu acho que os dois foram importantes. Tal como o meu padrinho. Substituiu muito bem os meus pais naquela fase. Os pais são sempre uma referência. Havia coisas que admirava, mas não queria para mim. Outras coisas que admirava e não conseguia lá chegar. E outras coisas que tive de aprender que era melhor assim.

É um forte adepto do FC Porto. Fale-nos um pouco dessa paixão.
Eu tenho uma paixão pelo FC Porto que só não foi exercida antes porque os meus pais não ligavam ao futebol. O meu pai morreu sem nunca ter entrado num campo de futebol. E a minha mãe sempre ligou a desporto, mas não ao futebol. Preferia o ténis. A minha sorte é que o marido da minha madrinha, que era um portista doente, resolveu levar-me às Antas, quando eu tinha 11 anos. Também um tio meu, irmão da minha mãe, portista, começou a levar-me para o futebol. Repare que já sou sócio do FC Porto há 47 anos. Mesmo nos seis anos que vivi em Lisboa, nunca deixei de ser sócio. Eu assisti a 19 anos de jejum e nunca mudei de clube. Quando alguém é de um clube porque este ganhou muitas vezes há sempre um perigo. De que, quando o clube começar a perder, também fuja. Eu de certeza que na minha vida não vou passar por uma provação maior. Nunca mais vou estar 19 anos sem ganhar nada. Estou há quatro anos e já estou furioso. Mas 19 acho que não vou voltar a estar.

Segue-se também o prazer da comida. Qual é o seu prato favorito?
Cozido à portuguesa. Mas nem todos os dias me apetece comer este prato. Tenho também preferência pelo peixe grelhado na brasa. Faço melhor a digestão pois é uma comida mais leve. No estrangeiro não consigo comer peixe. Quem se habitua ao peixe grelhado de Matosinhos tem esse problema.

E também cozinha?
Sim, sei cozinhar. É fácil explicar porquê. Porque quando fui para Lisboa vivi com dois tios irmãos do meu pai, que eram solteiros. À noite e ao fim de semana eram eles que cozinhavam. Eu fui ajudando e também aprendendo. Mas cozinho muito pouco atualmente, talvez mais no verão, para amigos.

Também adora a cidade do Porto. Imagina-se a viver noutra cidade? Se sim, qual escolheria?
Eu não me imagino a viver noutra cidade. Mas não digo que é impossível. Alias, já estive dois anos a viver, mais ou menos, em Viana do Castelo. Para viver temporariamente aqui, no norte, escolheria Vila do Conde, Viana do Castelo e ainda no interior de Guimarães.

A baixa do Porto agora tem uma movida muito específica. Como a descreve?
Acho que era uma coisa que faltava. Do pouco que me lembro de lamentar no Porto. Primeiro pelas experiências em Madrid e Barcelona. Mas depois também em Lisboa: não ver essa movida noturna. Sempre gostei de ir a restaurantes, festas, bares, ar livre. Algo que me fazia impressão. Eu ia a Paris no pico do inverno e havia esplanadas em todo o lado. E aqui, no pico do verão, não havia esplanadas em lado nenhum. Era algo que me metia impressão. Era uma lacuna que eu sentia. O movimento no centro histórico é fantástico. Esse movimento também pede turistas. Sou completamente pró-turista. Mas o turista atual. Não ‘aquele’ que tínhamos no início. Não nos ajudava, a meu ver. Este turismo que temos atualmente é que permite ter a Baixa desta maneira.

Ainda sai à noite no Porto?
Saio e gosto. Aconteceu para já uma coisa que eu andava a dizer há muito tempo: a noite tinha de começar mais cedo. Pode acabar à mesma hora. Tem é que começar mais cedo. As pessoas depois escolhem. Antes não podia começar antes das duas da manhã. É a pura lei da oferta e da procura a funcionar. A oferta é maior porque há mais procura. Nenhum turista ficaria aqui a começar a noite às duas da manhã.

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Sendo assumidamente portuense e ainda mais vincadamente portista, acha que o centralismo vem criar obstáculos ao crescimento e desenvolvimento da cidade e do FC Porto?
Essa pergunta podia ter uma resposta imediata: sim e acabou. Mas na verdade apresenta vários ângulos. A questão que está por detrás dessa situação, a meu ver, é a cultura. Há uma cultura do centralismo que nem é dos lisboetas. Atenção que eles não têm culpa nenhuma. A maior parte dos centralistas são pessoas do resto do país e que foram viver para Lisboa. Não são lisboetas de gema. Se fizessem um referendo só com os que nasceram em Lisboa, a regionalização ganhava nesta cidade.

Considera que ainda faz sentido a regionalização?
Chame-lhe o nome que quiser. Esse nome ficou um bocado gasto devido aquele referendo mal trabalhado, mal organizado e mal defendido. Acho que deu um resultado que não espelhava o sentimento das pessoas. Mas voltemos à questão da ‘cultura’. Muitas dessas pessoas que têm essa visão não querem prejudicar as pessoas que estão fora de Lisboa. Para eles é normal. Repare o que aconteceu com a EMA (Agência Europeia do Medicamento). As pessoas achavam normal. O vício do raciocínio é este: ‘Se é uma coisa importante, que vai ter poder e emprega muita gente, que vai dar muito dinheiro, tem que ser em Lisboa’. Outra coisa, que já vem desde o Estado Novo. O campeonato de futebol mexe com muita gente. ‘Quem tem de ganhar? É o clube de Lisboa’. Benfica, Sporting e Belenenses. O resto do país não interessa. O facto é que iam rodando entre o Benfica, Sporting e Belenenses. Temos de reconhecer que foi graças à distração que o 25 de Abril trouxe ao país (os homens do poder distraíram-se) é que o FC Porto conseguiu abrir uma janela, enfiou-se e deu cabo deles. É uma cultura muito difícil de combater. Embora vá a Lisboa todas as semanas, não estou lá o tempo suficiente para inocular o vírus. Estive lá dois anos, era muito novo, e vivia com duas pessoas nortenhas. O vírus não pegou (risos). Mas conheço várias pessoas que foram para Lisboa e passaram a olhar o país com uns óculos não de sol, mas de sul. O caso do Dr. Filipe Menezes e do Dr. Rui Rio, por exemplo. Os dois quando estavam lá [Lisboa] eram uma coisa, quando estão cá [Porto] são outra. São purificados aqui na Invicta. Rui Rio, que foi um feroz inimigo da regionalização, quando veio para presidente da Câmara do Porto mudou de ideias. Ele próprio admitiu: ”não estava a ver bem as coisas quando estava na Assembleia da República. Agora aqui [Porto] já vejo.” Se cada centralista passasse um ano fora da capital, o país mudava.

E quem são hoje as grandes vozes do norte?
Vivas?

Sim.
É uma boa pergunta. [pausa] Não conheço nenhuma. Uma voz do norte como foi o Pinto da Costa, como foi o Fernando Gomes, como foi o Miguel Cadilhe, como foi de certa forma o Rui Rio, como foi o Eurico de Melo. Como esses, hoje não conheço nenhum.

Acha que as pessoas do norte são melhores que as de Lisboa?
Isso depende do ponto de vista do observador. Eu gosto mais, mas não consigo dizer que são melhores. Se me perguntassem: ‘Gosta mais de cozido à portuguesa ou de peixe cozido?’. São as duas coisas muito boas. Mas eu gosto mais do cozido à portuguesa. As pessoas de Lisboa também são boas. Conheço lá pessoas excelentes. Mas naquilo que é o nortenho típico e sulista típico, eu prefiro o nortenho.

E os “Donos da Bola”?
Lembro-me que foi numa altura em que o FC Porto estava de relações cortadas com a SIC, que, por sua vez, não conseguia arranjar nenhum portista para este programa. Vieram-me desafiar, pois na altura já estava neste canal.

E o balanço entre este programa e o “Prolongamento”?
Mudou muito. Para já, os “Donos da Bola” não era apenas um programa de comentário. Era um programa desportivo que chegava a demorar umas cinco horas. De vez em quando comentávamos. Havia também reportagens. Isto agora está centrado no comentário, o que considero preferível. Às vezes apanhava secas valentes. Eu até fiquei com uma imagem um pouco agressiva. Como estava em minoria e cercado, tinha de ter uma postura de defesa. A minha melhor defesa também era o ataque. Não chegava ter razão. Tinha que falar mais alto. Hoje até sou considerado o mais moderado. O ”Prolongamento” tem duas fases, essencialmente. Uma fase em que eu era o mais novo, recente e o menos moderado. E agora está numa fase em que sou o mais antigo e o mais moderado. Como eu sou a mesma pessoa, foi o programa que mudou. Eu preferia o painel anterior. Mas reconheço, pois também sou empresário, que as audiências são melhores agora. Antes estava lá mais descansado. Agora estou menos.

Olhando para trás, considera que foi um bom jornalista?
Eu não fui um bom jornalista, mas acho que sou um bom comentador e cronista. Tanto o Manuel Teixeira como o Jorge Fiel, sem precisarem nunca de me dizerem isso, perceberam. Tiraram-me rapidamente do jornalismo normal. Puseram-me a chefe da secção desportiva e mandaram-me escrever. Lembro-me de uma vez me terem pedido para fazer a reportagem de um desastre ferroviário. E eu cheguei à redação e disse: ‘eu não sirvo para isto’. Não conseguia ver sangue, as pessoas a chorar…

O que recorda dos tempos no Comércio do Porto?
Foram tempos muito bons. Repare, eu estive em Lisboa seis anos e não alimentei as amizades do Porto. Portanto, quando regressei a esta cidade arranjei amigos precisamente no Comércio do Porto, onde trabalhava à tarde e de noite, ficando à espera do jornal sair. Fiz lá amizades até hoje: Júlio Magalhães, Jorge Fiel, Rogério Gomes e o Abílio Ferreira. Apanhei uma fase muito boa deste jornal. Acima de tudo, uma grande escola, tendo ficado um núcleo de amigos dessa época forte e especial.

Algum momento na comunicação social que recorde especialmente?
A primeira vez que escrevi um artigo de opinião intitulado “A Cara e o Caso”, precisamente no Comércio do Porto. Ainda por cima vinha a minha cara. A cara do jornalista. Lembro-me que senti algo forte. “As Crónicas de Escárnio e Maldizer” na TSF. Adorei a primeira crónica que fui lá gravar. Depois também a primeira “Noite da Má Língua” que fiz. De tal maneira que o Rangel quis assinar um contrato comigo. Mas eu não assinei. ‘No dia em que quiser que eu vá embora, eu vou; no dia em que eu quiser ir embora, eu também vou’. Era o único que não tinha contrato. Só assinei com o “Prolongamento” este ano. Foi o primeiro contrato, no meu percurso pelos media, que assinei.

Como se define como empresário?
Eu disse uma vez noutra entrevista que era o feirante de moda mais antigo no país. Porque já ando nisto há 30 anos. E não há ninguém em Portugal há 30 anos nisto. Vejo-me como uma pessoa que combina experiência, conhecimento. Eu não fiquei só aí. Não fiquei apenas pelos eventos de moda. Também estou presente em eventos ligados à gastronomia, vinhos. O que tem de bom na organização de eventos é que temos sempre uma data, vemos o nosso trabalho realizado. Gosto de ter um desafio pela frente, ter um prazo e cumpri-lo, ganhá-lo e que venha outro!

Como descreve o seu dia a dia?
Costumo dizer que estou sempre a trabalhar. Entre estar atento aos negócios que comando e à realidade que me rodeia, pois é fonte de inspiração ou de negócio ou de comentário. Só não estou a trabalhar quando estou a dormir. Mas não me queixo. Sou feliz assim.

A seu ver, qual é o estado da moda e do têxtil atualmente?
A moda beneficiou muito com a globalização. A informação antes não circulava. Quando há uma igualdade de condições é que se afirmam verdadeiramente os talentos. Por isso hoje temos a Katty Xiomara a desfilar em Nova Iorque. Relativamente ao têxtil, digo isto com muito orgulho, pois também contribuí, é um dos motores da exportação. A indústria têxtil está a cumprir outra vez o seu grande papel de motor das exportações nacionais e de grande apoio na nossa economia.

O que está in e o que está out?
O que está in é cada um ter a possibilidade de se vestir como quiser. Porque a oferta mudou. Basicamente o que está in é cada um ser o estilista de si próprio. O que está out é algumas pessoas aderirem a modas que não foram feitas para elas.

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