Contudo, a decisão de viver no Porto também esteve associada a um “fascínio por uma advocacia que não havia em Coimbra”. “Os meus colegas de escritório eram advogados da Sonae e pediram-me se podíamos encontrar-nos com algumas pessoas da empresa que tinham umas dúvidas sobre impostos”, contou o gestor. “Naquela altura, estava na Comissão de Reforma Fiscal e dava aulas de Impostos, por isso, achava que sabia muito”, afirmou, entre gargalhadas, acrescentando que as questões colocadas “eram de tal maneira profundas e variadas” que, de imediato, percebeu a existência de um mundo profissional que lhe era desconhecido e que recusaria não conhecer. “E confirmo que, passados este anos, boa parte do que aprendi foi nessa relação com as empresas”, assegurou o gestor da Sonaecom. “O engenheiro Belmiro de Azevedo diz-me, meio a sério meio a brincar, que eu ainda devia pagar royalties por aquilo que ele me possibilitou aprender. E eu rio-me mas acho que ele tem alguma razão”, reconheceu.
A política é outra vertente da qual o advogado assume não conseguir fugir. Militante da Juventude Centrista desde os 14 anos, passou para as concelhias, depois para a distrital, foi deputado e dirigente nacional, “mas sempre com a profissão desligada” dos assuntos do CDS, partido ao qual já não equaciona candidatar-se à liderança. “Eu já fui candidato e abandonei essa ideia há muito tempo”, garantiu, revelando que encara a participação no programa Quadratura do Círculo, na SIC Notícias, como o resultado de “uma carreira política frustrada”. “Ali faço o gosto ao dedo porque acabo por poder comentar, dar a minha opinião, estar com atenção aos factos e ler”, referiu.
Em 1990, já no Porto, candidatou-se a deputado, sendo acusado de “paraquedismo entre cidades”. “Na altura, o FC Porto tinha um grande ponta de lança, o Kostadinov e, uma vez, os jornalistas perguntaram-me por que é que eu, não sendo do Porto, queria vir para cá, ao que respondi: ‘o Kostadinov também não é e marca golos’”, contou, explicando que, depois de tantos anos, já encara a cidade como sua, estando plenamente integrado na vida portuense. Ainda assim, para Lobo Xavier, não se confirma a ideia de que os portuenses são os melhores na arte do acolhimento. “É um mito. Eu adoro o Porto, mas, no princípio das relações com as pessoas é fechado, chega a ser um pouco hostil e nunca vi, na prática, essa ideia de que as casas estão sempre abertas”, salientou.
“O Porto mudou muito e para melhor”
Outro mito que o advogado considera importante destruir é o de que a vida da cidade do Porto continua atrofiada pela capital. “Quando olho para trás, na última década, vejo como cresceu em importância e em significado a Universidade, a Casa da Música e Serralves, os triunfos e a notoriedade do FC Porto, vejo a mudança da vida cultural, institutos como o IPATIMUP e, portanto, o Porto, hoje, é uma grande cidade”, sublinhou, referindo, no entanto, compreender as queixas “na distribuição dos fundos e no modo como o país está organizado”. Ainda assim, garantiu, “fomos capazes de fazer uma cidade com atrativos diferentes, com uma mudança no turismo brutal nos últimos tempos, quer nas visitas, quer nos equipamentos”, o que também considera ser um indicador de que a Invicta não depende exclusivamente da sua gestão autárquica.
Lobo Xavier não deixa, contudo, de admitir que a atuação do executivo de Rui Rio “trouxe uma certa pacificação, um relacionamento da cidade com os políticos que é diferente do de outras câmaras do país”. “Acho que Rui Rio fez muito pelo Porto sobretudo neste plano de estabilização dos cidadãos com a política. Não foi uma gestão baseada no protagonismo, o que deu uma grande tranquilidade à política da cidade”, apontou o gestor.
A “alma” portuense, essa, também evoluiu, segundo Lobo Xavier. “Mantiveram-se o apreço pela liberdade e o sentido de vizinhança, mas o Porto tornou-se mais cosmopolita”, defendeu, enumerando “o gosto pelos heróis da cidade”, como Artur Santos Silva, Siza Vieira e Souto Moura, a “recuperação económica” e “o modo como se aproveitou a Capital Europeia da Cultura [em 2001] para mexer em algumas praças e monumentos”.
Apesar de, em tempos, ter ponderado uma candidatura à presidência da Câmara Municipal, o Lobo Xavier explicou que a sua vida profissional se organizou de uma maneira “incompatível com esse sonho”. Em relação à saída de alguns elementos do CDS do executivo camarário, como é o caso de Álvaro Castelo Branco, o advogado admitiu que os cidadãos podem interpretá-la como “um desinvestimento” no Porto, o que acredita não ser a intenção real do partido. “Estamos num momento menos bom da relação PSD-CDS, que eu espero que seja mudado tão depressa quanto possível”, referiu.
A importância de criar uma “massa crítica”
Segundo Lobo Xavier, para se afirmar a nível nacional e europeu, o Porto precisa de ser “o centro de uma região” marcada por uma liderança e um entendimento com as restantes câmaras. “Enquanto não houver massa crítica, ou seja, um espaço alargado, formado por uns milhões de pessoas, com uma estratégia própria e caminhos articulados entre os concelhos, o Porto será sempre uma cidade pequena”, sentenciou, assumindo-se um defensor da regionalização no caso de a reforma ser sinónimo de uma articulada “produção de bens públicos”. “Tem de haver eleições. Não podem sentar-se numa mesa e articular ideias mas depois irem para casa preocupados com os eleitores de Matosinhos, de Gondomar ou Gaia”, ilustrou o gestor da Sonaecom. Na qualidade de defensor da descentralização do poder como condição da democracia, Lobo Xavier diz não se contentar com a divisão estado central-concelhos. “Acho que falta aqui uma área intermédia”, notou, acrescentando que, não sendo uma reforma urgente, poderia trazer vantagens para as pessoas.
Ainda na análise da situação do país, o também membro do Conselho de Administração da Mota-Engil e administrador do BPI considera que Portugal tem criado barreiras a que as empresas permaneçam no país – “obstáculos relacionados com a justiça, a burocracia, os licenciamentos e as questões fiscais”. “O contencioso que há entre quase todas as empresas do país e a administração fiscal a propósito de detalhes mal esclarecidos da lei é um conflito gigantesco que impressiona qualquer investidor”, notou, defendendo que os portugueses que se querem internacionalizar também têm o direito a procurar os melhores sítios, estabilidade e carinho pelo investimento. O advogado considera, portanto, que “Portugal devia tentar perceber porque é que essas pessoas mudam de paragem, sendo que, às vezes, nem é uma questão de dinheiro, nem de regimes fiscais, mas de estabilidade e confiança”.
Paixão pela guitarra, motos todo-o-terreno e cozinha
Com uma semana de trabalho repartida pela gestão de empresas e o escritório de advogados, no qual dirige uma equipa, Lobo Xavier adapta a sua agenda à gravação da Quadratura do Círculo, à quinta-feira, em Lisboa. “E acabo também por trabalhar ao fim-de-semana embora procure ter momentos sagrados com a família”, disse, contando que, há dois anos, se tornou “um velho guitarrista”, que precisa de treinar muito para recuperar o tempo perdido. “Tenho uma banda de rock no escritório que se chama Tier One Band e massacro um bocadinho as pessoas que vivem comigo a ensaiar pela noite fora”, confessou.
O gestor, que também pertenceu ao Conselho de Administração do FC Porto, revelou ainda ter um grupo de amigos com os quais agenda aventuras de mota aos domingos. “Para se aguentar este desporto tem que se ter preparação física, que faço no ginásio durante a semana”, afirmou, adiantando que uma terceira paixão é a cozinha, “numa dupla vertente, não só na de fazer receitas, mas na de receber as pessoas”.
“Talvez me falte um cargo executivo no Governo”
Apesar de se considerar uma pessoa feliz, que gostava apenas de ter mais tempo para a família, António Lobo Xavier afirmou que, se tivesse outras circunstâncias profissionais, gostaria de exercer um cargo executivo no Governo. Ainda assim, aproveitou para esclarecer que não é verdade que tenha sido convidado para um lugar concreto e o tenha recusado. “Nunca equacionei essa hipótese, mas também nunca a coloquei de parte. É algo que eu gostaria de fazer”, confirmou.
Relativamente ao desempenho do líder do partido, Paulo Portas, o advogado admitiu que, dentro do CDS, será difícil encontrar um período “tão estável e interessante”. “Por vezes, o partido parece praticamente desaparecido e ele tem a arte de o fazer renascer das cinzas, sendo que, nos últimos anos, o transformou numa peça importante das decisões governativas”, sublinhou. “Há, porventura, coisas que eu gostaria que fossem de outra maneira – a implantação local, o modo como o partido se estabelece nas cidades e a sua base de sustentação – mas isso não anula a importância de o CDS se ter tornado, apesar da sua dimensão contida, um partido para a formação do Governo”, concluiu.