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1981: O “regresso ao futuro” do Fantasporto (entrevista exclusiva)

1981: O “regresso ao futuro” do Fantasporto (entrevista exclusiva)

Fundado em 1981, o Fantasporto é um festival de cinema de renome, sediado na cidade do Porto, que ao longo dos anos tornou-se um ponto de encontro importante para cineastas e amantes do cinema que exploram os limites da imaginação.

Com uma vasta oferta de filmes, eventos e retrospectivas, o “Fantas” (como é carinhosamente apelidado pelos fãs) celebra a criatividade e a arte cinematográfica de forma única, atraindo visitantes de várias partes do mundo.

Em entrevista exclusiva com a VIVA!, Beatriz Pacheco Pereira e Mário Dorminsky, a alma do Fantasporto, proporcionam aos leitores uma viagem no tempo a fim de descobrirem um pouco mais sobre este festival de relevo no panorama cultural nacional e internacional.

Antes de chegarmos a 1981: O que vos inspirou a criar o Fantasporto?

O Fantasporto “começa” desde 1978, altura em que criamos a revista Cinema Novo que foi publicada bimestralmente durante cerca de 15 anos. Desde a criação da revista a nossa presença pública a nível nacional na crítica de cinema, da organização de ciclos de cinema temáticos dedicados a realizadores, géneros ou cinematografias importantes e desconhecidas, na maioria, na altura. As salas Lumière, o Coliseu do Porto e o Quarteto em Lisboa passaram a ser espaços nos quais os nossos projetos iam sendo desenvolvidos. Nos finais de 1980 e com o alugar, pela Secretaria de Estado da Cultura do Teatro Carlos Alberto, o seu diretor, o saudoso José Cayolla, convidou-nos a programar 15 dias por mês essa sala, ampliando ainda mais a atividade que vínhamos desenvolvendo a par da revista, dedicando-a geralmente aos ciclos de cinema que íamos realizando.

Aqui um intervalo para contarmos uma pequena história. O editarmos uma revista de cinema abria-nos as portas para ir a festivais de cinema em Portugal e no estrangeiro, em condições especiais, dado que nos pagavam despesas de estadia ou de viagem. Também nos levou a ser convidados regularmente para júris internacionais de diversos eventos e permitiu-nos aceder a espaços especiais como a Cinemateca Francesa. Em 1980, eu, Mário Dorminsky e a Beatriz Pacheco Pereira fomos fazer uma férias a Barcelona e, nessa altura, creio que ainda existe, editava-se nas capitais europeias uma revistinha chamada Guia del Ócio, um guia de eventos culturais e desportivos que semanalmente decorriam,. Aí vimos que perto de Barcelona, a uns 30 km, existia uma pequena cidade de praia chamada Sitges e que em Outubro realizava um festival de cinema de terror, ainda Franco dominava o país. Parece que gostava de cinema de terror…. Ia na sua 10ª edição, creio. Decidimos ir lá e procurar a sede do festival que era no primeiro andar de uma loja de fotografia. Aí perguntamos a um senhor, já a caminho dos sessenta(?) onde era a sede do festival e ele simpaticamente disse-nos simplesmente: aqui e eu sou o organizador. Excelente, mostramos a nossa revista Cinema Novo e dissemos-lhe que gostaríamos de fazer a cobertura da edição que se avizinhava. Sem pensar demasiadamente, disse que sim e que nos garantia a estadia e que comparticipava na alimentação (foi num hotel fraquinho, chamado Park, mas era quase limpo – matamos infelizmente uma baratinha – mas tinha uma esplanada interior simpática e era pertinho do cinema e de restaurantes agradáveis. Tínhamos, assim, condições para ir novamente a Sitges em Outubro, bastando para tal fazer cerca de 10 horas de viagem de comboio desde Vigo a Barcelona, que era mais barato, algo também memorável! Em Sitges o festival tinha piada. Raramente víamos filmes de terror como aqueles a estrear em Portugal e, nem entendíamos como em pleno período franquista naquele festival se exibiam filmes carregados de sangue e sexo! Assim, também se explicava o porquê da sala estar sempre esgotada sobretudo com muito público vindo de Barcelona. A cidade (pequenina) tinha todas as montras das poucas lojas com “decorações terroríficas” mesmo as lojas de venda de chocolates, e que chocolates! Bem, havia diversos convidados e criava-se também com eles uma interação interessante e, em particular com dois deles, um belga, que editava uma revista de terror, e outro francês, escritor que posteriormente descobrimos ser francamente importante, com os quais bebíamos uns copos à noite, na esplanada do dito hotel, Conversas sempre à volta do cinema nas quais dissecamos o género terror, chegando à conclusão final que afinal o terror era basicamente a transposição para o cinema de uma possível realidade do quotidiano, mas que se enquadraria, para nós, em algo mais amplo que se poderia denominar de cinema fantástico. E foi com essa conclusão que viemos para o Porto.

Era final de Outubro de 1980 e, em Janeiro, após a inauguração da nova fase do Carlos Alberto que teríamos de fazer mais um ciclo de cinema… E porque não um ciclo de cinema Fantástico? Falamos com um nosso amigo, artista plástico, José Manuel Pereira, e pedimos-lhe que fizesse um conjunto de imagens sobre o tema: escolhemos cerca de 60 filmes, trabalhamos e fizemos um número especial da Cinema Novo dedicada ao “tal” cinema fantástico, assim como aproveitamos algumas ideias que tínhamos trazido de Sitges, como criar cadernetas de bilhetes no sentido de garantir que a mesma pessoa fosse ao ciclo diversas vezes. Durante 15 dias, tivemos a sala esgotada. Sim, totalmente esgotada. O Carlos Alberto tinha um público fiel para as fabulosas sessões duplas da tarde, que estava habituado a ir aquela sala de tarde e o público da noite seria aquele que teria de ser chamado pela promoção dos então muitos jornais, da televisão (só existia a RTP) e das rádios que recebiam alguma informação que lhe íamos fazendo chegar. Existiram páginas inteiras dedicadas ao ciclo nos media, com títulos de primeira página como aquele do Correio da Manhã “Sangue corre nas ruas do Porto”. Quem não iria tentar descobrir o que teria o Carlos Alberto? A novidade nos nossos ciclos era também exibir diariamente 3 filmes, o que garantia um público fiel para o ciclo.
Bem, voltemos atrás. Como surge o nome Fantasporto? Muito simplesmente, fez-se o mais simples: juntar a fantástico à cidade e assim surge o nome Fantasporto e aquele ciclo, I Mostra Internacional de Cinema Fantástico, nasce já como o 1º Fantasporto.
Como acima dissemos, a mostra foi um êxito fabuloso e, numa conversa com o então Pai do Cinema no Porto, Henrique Alves Costa, ele só disse: E porque não fazem um festival de cinema? Assim surgiu um Fantasporto, festival, que 44 anos depois ainda é feito pelos seus fundadores, e se inicia no próximo dia 1 de Março até 10, no Batalha Centro de Cinema.

Nunca os seus organizadores apresentaram o Fantasporto como exclusivamente do fantástico, género que aliás era ainda quase desconhecido na altura. Veja-se a lista dos filmes apresentados na 1ª edição, por exemplo. Estavam a surgir os novos talentos de Hollywood, de George Lucas e de Spielberg, sendo que “Blade Runner”, filme charneira da época, só viria a ser produzido em 1982, um ano depois da primeira edição do Fantasporto, onde foi estreado em antestreia europeia.
A recessão económica impunha então uma fuga à realidade. E o pós-25 de Abril tinha aberto o cinema do resto do mundo a Portugal, antes negado pela censura.
O Fantas começou em 1981, portanto, com a ideia de que havia um enorme potencial do imaginário para explorar, desde Murnau aos clássicos do neo-romantismo francês, e ao espantoso surto cinematográfico vindo, sobretudo, dos Estados Unidos e mais tarde copiado pela Europa. Havia ainda o Maravilhoso na literatura, na pintura, nos filmes de todos os tempos. Os cruzamentos com as artes afins ao cinema começaram logo na primeira edição com concertos e exposições de arte. E vieram a lume Georges Méliès e todos os outros que no passado, e em todos os países, tinham favorecido a imaginação através da expressão da fantasia. Os grandes cineastas acompanharam. Nem Akira Kurosawa nem Manoel de Oliveira (“O Estranho Caso de Angélica”) escaparam à moda. Hoje, as grandes produções mundiais ainda favorecem o género: “O Senhor dos Anéis”, “Matrix”, “Harry Potter”, “Spiderman”, “Avatar”…

Quais foram os desafios encontrados no processo de criação e como os superou?
Fale-nos um pouco dos primeiros anos do Fantasporto.

Realmente não existiram grandes desafios para esse primeiro ano. Assumidamente cinéfilos desde miúdos, eu e a Beatriz, fizemos uma seleção dos filmes cuidada, garantindo espetacularidade e qualidade. Ainda na altura o Instituto de Cinema, que já existia, comprou-nos 15 contos de revistas CN, o que deu muito jeito. De resto, entre o pagamento das despesas, o aluguer dos filmes, as gráficas e as receitas, deu-nos uma margem de manobra de começarmos a pensar na tal ideia de fazer o festival, essa bem mais complicada, que implicava muito mais dinheiro, mas com a experiência obtida com as nossas idas a diversos festivais, fomos retirando o que de bom víamos em cada um deles e adaptando ao nosso projeto. E conseguimos que nos dessem um empurrão na altura um significativo apoio da então Direção Geral da Artes. Nesse segundo ano do Fantasporto, o primeiro competitivo, existiram mudanças importantes. Por simpatia, o Dr Mário Pimentel, gerente dos Lumières, abriu-nos as portas e assim se criou o primeiro multiplex no Porto, com parte ao ar livre porque se tinha de atravessas a estreita Rua das Oliveiras , desde o Carlos Alberto. Essas eram salas fantásticas e que foram lamentavelmente desmanteladas poiucos anos depois.

Nesse ano de 1982, os filmes que não vinham das distribuidoras portuguesas era exibidos sem legendas em português e até um filme em alemão foi exibido com sala esgotada, sem que ninguém saísse da sala. Perguntamos porquê. A resposta foi surpreendente “os filmes são visualmente tão atractivos que as legendas não são necessárias!”. Desde o segundo ano, se considerarmos a Mostra de 1981 como o primeiro Fantasporto, e durante uns 5 a 6 anos, a seleção dos filmes, sempre em antestreia nacional, era feita em função da disponibilidade e simpatia das então muitas distribuidoras de cinema existentes em Portugal, com o apoio das embaixadas, através das quais pedíamos os filmes que pretendíamos exibir (chegavam-nos até por mala diplomática) bem como o pagamento de viagens a alguns convidados. Tudo isto garantiu um simpático apoio do Estado, alguns patrocínios e publicidade (bem mais fáceis de arranjar do que hoje em dia), e contando logicamente com as receitas de forma a ter garantida a continuidade do evento.

No geral, como é que o público portuense recebeu o festival?

Esgotando as salas desde sempre. Havia dias de loucura total. Trânsito parado frente ao Carlos Alberto, candonga de bilhetes, cafés cheios na proximidade dos cinemas, grande cobertura mediática nacional. Gente que vinha de todo o Portugal, que metia férias. Foi assim até à mudança para o Rivoli, período no qual o público demorou a habituar-se, voltando então a encher a sala, basicamente nas sessões da noite. Esses tempos são irrepetíveis. Agora importa muito o trabalho que o Batalha faz, de agregar os amantes do cinema e conjugar isso com um festival irrepreensível, agora que está num lugar invejável no ranking internacional. E porque são filmes que são lançados no Fantasporto para o mundo, a loucura tem de continuar.

O Fantasporto destaca filmes de terror, fantasia e ficção científica. O que o levou a focar-se neste género cinematográfico?

O Fantasporto engloba uma abrangência sem limites. A imaginação viaja pelo passado, pelo futuro, por todos os subgéneros, pela comédia, pelo drama, pelas técnicas todas como a animação ou a imagem real, mesmo que esta seja já quase integralmente digital. Não há paredes para a imaginação. Nem para a nossa programação. E esta possibilidade de liberdade permite ao Fantasporto apresentar qualquer tipo de filme, desde que tenha qualidade segundo os nossos critérios. Um bom filme é um bom filme.

Pensando na visão inicial que tinha para o Fantasporto, sente que este cumpriu com os objetivos idealizados?

A resposta à pergunta é sim, cumprimos plenamente os objectivos iniciais. Mas nunca ficámos pelo projecto inicial. Sempre investimos tudo na inovação e transformação. E tivemos resultados desta nossa política. Nunca pensámos, por exemplo, ter esta posição internacional tão relevante. Continuamos a descobrir novos talentos. Já passamos o primeiro filme de 7 realizadores que vieram depois a ganhar o Óscar de Melhor Filme. Quem sabe qual será a próxima grande descoberta do Fantasporto? Um dos objectivos mais próximos é podermos dar melhores condições aos representantes dos filmes que nos querem visitar. Se já temos todos os filmes que escolhemos, um feito notável, faltam mais meios para fazermos mais.

Festival generalista agora, porquê?

A secção fantástica continua a ter um peso grande, não fosse estar na origem do festival e do nome do festival que se mantém. A razão do alargamento é simples e foi feita para defesa da qualidade. Depois do surto dos anos 80, o Cinema Fantástico sofreu uma crise qualitativa e havia que manter o nível da programação. Assim, o festival alargou os seus horizontes para todas as temáticas, o primeiro a fazê-lo, no que foi seguido pela maioria dos festivais do fantástico na época. Em 1991 foi criada a Semana dos Realizadores, inicialmente só para primeiros e segundos filmes. Aí surgiu, entre muitas outras descobertas, Pedro Almodóvar pela primeira vez em Portugal com “Matador”. Actualmente, a competição Secção Oficial Competitiva Semana dos Realizadores é tão prestigiada como a do Cinema Fantástico. Mas não ficámos por aí. Em 2002, perante a crescente importância do cinema oriental, surgiu a Secção Oficial Orient Express (primeiro com o nome Fantasia) e a introdução na Europa do emergente cinema sul-coreano. A Secção Oficial Première & Panorama para filmes inéditos fora de competição tem também crescido em relevância, devido ao número de Antestreias Europeias e Mundiais, para além de apresentar todos os filmes em Antestreia em Portugal.
Note-se ainda que muitos dos filmes das Retrospectivas são inéditos em Portugal, e constam sobretudo de programação organizada em colaboração com os Ministérios da Cultura e Institutos de Cinema dos países envolvidos.

Como se explica o êxito internacional?
Uma preocupação foi apostar no Estrangeiro criando imagem para o Festival e para a cidade, cruzando assim a Cultura com o Turismo, muito embora os organismos oficiais não entendam que as muitas centenas de notícias saem nos media de todo o Mundo. Recebemos anualmente filmes de cerca de 70 países e num número sempre superior a mil por alguma razão. Apostamos também na presença no Porto todos os anos de duas centenas de convidados estrangeiros que vêm apresentar os seus filmes. Nos últimos anos, tendo-lhes pago exclusivamente 3 a 4 noites de hotel…porque não há fundos para mais. E eles continuam a vir. Ou o festival é muito importante ou é o Porto (cidade) que os atrai…

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Após 44 edições, quais foram os momentos mais marcantes na história do Fantasporto?

Há muitos e podem passar até por algo externo ao festival, mas dele decorrente. Por exemplo, em 2024, temos a Variety a fazer a cobertura do Fantasporto. Num país com pouca importância para a indústria, é um feito notável.
Muitos momentos passam pela aceitação dos filmes, pela descoberta de grandes nomes, muitos dos quais se submetem à competição, pela vinda de convidados- por exemplo trouxemos cá o protagonista do “ET- the extraterrestrial” nos 25 anos da estreia, trouxemos grandes nomes como Wim Wenders, Danny Boyle, Guillermo del Toro, Paul Schrader. Fizemos retrospectivas que nunca mais ninguém pode fazer como a de Disney ou do Spielberg. Mudámos de sala várias vezes, mas o nome do festival foi suficiente para a adaptação dos públicos.

Ao longo dos anos existiram várias mudanças na indústria cinematográfica. Sentiu alguma dificuldade em manter o Fantasporto relevante? Como superou?

O Fantasporto reconheceu cedo as mudanças tecnológicas que vieram facilitar, por exemplo, a chegada dos filmes. Por isso também se manteve relevante e em crescimento internacionalmente. Aí, tem sempre vindo a crescer. E mesmo nos anos de grande crise em Portugal, o festival respondeu com trabalho e teimosia, resistência mesmo, aos ataques, sabendo que é um evento implantado e prestigiado. E que não está na nossa natureza desistir. Estamos conscientes de que cada vez há mais concorrência aos apoios, sobretudo pela existência de muitos festivais em Lisboa, e que os patrocinadores se viram mais para o futebol ou eventos rock. Mas também sabemos que só a qualidade da programação- que é gratuita e apenas depende de nós e do nosso trabalho – nos defende das dificuldades. Se cá não o reconhecem, como lá fora, a causa não está no que fazemos, mas no que os outros não fazem… Em 2024 tivemos 68 países a mandarem filmes para selecção. Um número de respeito. Não vejo os outros festivais, muito mais financiados, a mostrarem os seus números.

Como vê o papel do Fantasporto na divulgação do cinema português, tanto nacionalmente como internacionalmente?

A criação do Prémio de Cinema Português em 2012 veio apenas dar enquadramento aos filmes portugueses que apresentámos sempre, desde a primeira edição. Nessa altura também sistematizámos a nossa relação anterior com as Universidades e Escolas com cursos de cinema que todos os anos nos enviavam filmes, estreitando-se a nossa relação. Homenageamos também os grandes nomes, desde Manuel de Oliveira a Fonseca e Costa, Fernando Vendrell, Fernando Lopes e muitos outros. Lembramo-nos dos grandes divulgadores como Lauro António ou Paulo Branco. A mais recente introdução das Movie Talks, ou a inúmeras conferências, debates e masterclasses desde sempre ajudaram a formar as novas gerações. Lembremo-nos que muitos passaram pelo Fantasporto antes de começar a fazer filmes como Artur Serra Araújo, Tiago Guedes, Tiago Pimentel, Luís Diogo, Luís Moya e tantos outros. Professores e alunos, novos cineastas e veteranos encontram sempre um porto de abrigo e respeito no Fantasporto.

Qual será o futuro do Fantasporto? Há alguma novidade ou plano que possa divulgar aos nossos leitores?

O futuro do festival não depende só de nós. Por nós, organizadores, o evento continuará com a nova geração que já anda pelo Fantasporto. Mas o mais difícil é contrariar o nepotismo, o lobbying, a ignorância, e até o desprezo, de Lisboa em relação ao que se passa no resto do país. Advoga-se a diversificação, mas o que vemos é alguns festivais a levar (sempre) grande parte dos apoios e todos os outros a definhar.
Com mais dinheiro, fazemos mais. E enquanto tivermos condições, continuaremos, porque a cidade merece. Projectos não faltam, como a concretização de um Museu de Cinema que reúna o acervo do festival e o mais que anda por aí. Falta-nos um espaço grande e verba para o manter, é certo. Mas um dia, talvez se consiga concretizar esse sonho. Lá fora chama-nos um “Tesouro Nacional”. Não é uma classificação para qualquer um.
Para já, esperamos muita gente a ver os filmes deste ano. A descobrir os novos grandes nomes. São os espectadores que também fazem o futuro do festival. E que saiam do Batalha a discutir cinema.

O PROGRAMA 2024

O Fantasporto apresenta a programação completa desta nova edição. O festival decorrerá no Batalha Centro de Cinema de 1 a 10 de Março, e exibirá cerca de 100 filmes de 30 países, todos inéditos, ou seja, em estreia nacional, e 28 em antestreia europeia, internacional e mesmo mundial, mais um sinal da importância internacional do Fantasporto. Estarão presentes a maioria dos realizadores e equipas dos filmes em competição, bem como representantes das produtoras, agentes de vendas e meios.
Estarão presentes ainda jornalistas estrangeiros a fazer a cobertura do festival, nomeadamente dois da maior e mais respeitada revista da indústria cinematográfica, o Variety.
Como sempre o programa inclui 4 competições: a principal, o Cinema Fantástico com 30 longas e uma competição de curtas-metragens fantásticas, a Semana dos Realizadores, a Orient Express, dedicada a filmes asiáticos, e a competição do Prémio de Cinema Português.
A noite de abertura, dia 1 de Março, apresenta o sucesso de Cannes, “Testament” do mundialmente respeitado realizador Denys Arcand. O festival encerrará, e anunciará seus prémios no dia 9 de Março, exibindo a incrível superprodução vinda da China, “Creation of the Gods I: Kingdom of Storms” de Wuershan.
As retrospetivas são variadas. Uma é dedicada a Karim Ouelhaj, realizador belga que venceu o Fantasporto 2023 com “Megalomania” e vai receber este ano o Fantasporto Career Award. Haverá ainda uma pequena retro do cinema do Cazaquistão e uma surpreendente retrospetiva húngara com filmes dos mais recentes e com a oportunidade rara de ver vencedores de vários prémios no Fantasporto. Exibido também um programa muito especial dedicado à Manga transposta diretamente para imagem real, um novo conceito desenvolvido pela Pony Canyon, Fuji e outras empresas japonesas, com filmes de 2023 e que que contará com a presença da maioria dos seus produtores.
Complementando a exibição de uma seleção recentíssima de filmes, em exibição única em Portugal, o Fantasporto aliou-se como sempre às escolas e universidades com cursos de cinema, oferecendo nas Movie Talks a oportunidade de debater alguns dos temas da actualidade como o “streaming” ou o cinema independente, com intervenções de grandes nomes presentes no festival. Este programa de palestras e debates tem Entrada Livre e realiza-se no Bar do Batalha CC.
Saliente-se ainda que os filmes a exibir terão legendas em português na as 1 e na sala 2, uma percentagem significativa dos filmes a exibir também serão legendados em português..
Para aceder ao festival há cadernetas de 10 e 15 bilhetes, passes de participante para acesso a todas as sessões, para além naturalmente da aquisição direta nas bilheteiras e online dos bilhetes normais que serão vendidos a 5 €.
O Fantasporto é patrocinado pelo Estado Português (ICA), pela Câmara Municipal do Porto e por algumas empresas privadas.

O REGRESSO DO FANTÁSTICO, INOVAÇÃO E CLASSICISMO

Para os adeptos do terror mais clássico, um inovador e recente filme do realizador de “The Ring”, Hideo Nakata, “The Forbidden Play” traz-nos uma história de uma família muito especial. “Surrogate” aborda as possessões num filme de um país que cada vez melhora a sua produção cinematográfica, as Filipinas. Os europeus “The Well” e “Pandemonium”, unem as linhas dos filmes de monstros e a das casas mais estranhas. Surpreendente é também “The Floor Plan” que, em Antestreia Mundial, traz ao Porto um exemplo de uma grande intensidade e impacto. Destaque ainda para “The Hyperborean” de Jesse Thomas Cook, um canadiano já conhecido do Fantas e que funde uma história de uma família com a ficção-científica, de aliens e outros seres. Para os amantes do thriller de horror, há exemplos vários, vindos de primeiros filmes ou de realizadores com larga carreira. Uns já premiados como “Cold Meat” ou “Jour de Merde”, a não perder. Veremos no Fantasporto thrillers como “Within”, “Baby Assassins 2”, “Clawfoot”, “Lost in the Stars” ou os filmes que integram a retropectiva “Manga to Real Image”. Ainda dentro do horror mais clássico, dois exemplos vindos de Espanha, “La Mujer Dormida” e “La Sombra del Tiburón”, mais um exemplo da pujante fantasia dos espanhóis. Importante ver ainda “The Witch Game”, um filme moderno que ilustra o poder da tecnologia na vida dos adolescentes e o desejo desmedido de poder e autonomia, neste que é um dos mais bem-sucedidos filmes sobre bruxas, a lembrar mesmo os de Harry Potter.
Especial atenção à retrospectiva Húngara, onde poderemos ver as novas linhas do moderno cinema fantástico em “Liza, the Fox-Fairy”, “Post Mortem” ou até o recente “Half-way Home”, a concurso. Ainda haverá filmes inovadores em relação ao rumo do fantástico, filmes como “From the End of the World”, com um rico trabalho de imagem numa história de viagem no tempo, tal como “The Shoreline”, uma história de amor feita de encontros e partidas.
Aqui há destaque obrigatório para dois filmes, “The Complex Forms” e “The Universal Theory”, dois exemplos do cinema europeu e do fantástico mais sofisticado e moderno, imprescindíveis sobretudo para os cinéfilos do Fantasporto. E para quem gosta de ver novidades em pequeno formato, numa selecção de incrível qualidade, as curtas-metragens a concurso, com particular relevo para os filmes de animação como “Stabat Mater”.
Há ainda relevo para uma especial linha de cinema fantástico, de grande produção e efeitos especiais elaboradíssimos, mas com um tipo de narrativa dentro do tradicional cinema ocidental. Esta linha moderna, que vem ganhando adeptos por todo o mundo, funde artes marciais com as lendas e tradições, em visuais opulentos em filmes de grande efeito, tanto de imagem ou de enredo. Vem sobretudo da Ásia, com “Mutant Ghost War Girl” e sobretudo com “Creation of the Gods”, uma superprodução chinesa que irá surpreender, que encerra a edição do Fantasporto.

MONTE HELLMAN no FANTASCLASSICS

No Fantasclassics, a exibição de “Cockfighter”, do realizador Monte Hellman, produzido por Roger Corman, na presença do produtor Steven Gaydos, um dos grandes nomes presentes no Fantas deste ano. Especial atenção para a Movie Talk que terá lugar no 1º domingo, dia 3 de Março.

PARA ALÉM DO FANTÁSTICO
O PROGRAMA DO FESTIVAL DESTACA GRANDES NOMES DO CINEMA ACTUAL

O festival alarga o seu espectro para além do fantástico desde 1991.
O Fantasporto apresenta em Antestreia Mundial, “Heart Strings”, o filme mais recente do Prémio Carreira do festival em 2017, Ate de jong. Vai mostrar-nos a magia da subcultura norte-americana dos concursos de música country, numa deliciosa história de amor. “Supporting Actors” e “Strangled” chegam do premiado
Arpad Sopsits, e, muito inesperado, “Goliath”, um filme do Cazaquistão que leva Maquiavel para as estepes, numa descoberta de uma das melhores cinematografias actuais. Regresso ainda ao Fantasporto de Shinya Tsukamoto com o êxito de Veneza, “Shadow of Fire”, num registo maduro e impactante do realizador que em tempos passados surpreendeu com a série “Tetsuo” de grande sucesso no Fantasporto. Do Brasil, vem uma muito actual história, “ Strange Path/ Estranho caminho”, passada durante a pandemia e que tem relações com Portugal. Mais. Um dos filmes a não perder nesta edição, e numa época de grandes desafios como os do clima e os da tecnologia, está o magnífico “Invisible Windows”, realizado por um dos grandes nomes do cinema indiano, o premiadíssimo Dr Biju, uma história humana de grande intensidade e modernidade. Também a surpreender nesta edição o filme de David Duchovny (X-Files) que realiza e interpreta (fabulosamente) o papel principal de “Bucky F*cking Dent”, um drama em que pai e filho se reencontram.
Na abertura do festival, e fora de competição, o mais recente filme do celebrado cineasta Denys Arcand. “Testament”. Um olhar crítico e humano sobre os mais preocupantes sinais da modernidade”, desde o afastamento dos mais velhos, a alienação nas redes sociais à dificuldade da expressão dos sentimentos. Um dos grandes filmes do Fantasporto, sem dúvida.

CINEMA PORTUGUÊS

Com as duas facetas a concurso no Prémio de Cinema Português, a secção FILMES dedicada a curtas e longas-metragens e a secção dedicada ÀS ESCOLAS E UNIVERSIDADES COM CURSOS DE CINEMA, o Fantasporto une os estudantes aos profissionais. Destaque para as duas longas-metragens a concurso, as surpreendentes realizações “Best Cop Ever” de João Bruno, no mundo da ficção-científica, e “Carne, a Pegada Insustentável”, um documentário de Hugo Almeida.
Fora de concurso, veremos “Titus”, baseado na tragédia sangrenta de Shakespeare, “Era uma Vez no Apocalipse” com uma magnífica interpretação de Sérgio Godinho num futuro inquietante sonhado pelo nosso conhecido Tiago Pimentel, uma história de faca e alguidar em “Maria José Maria” de Chico Noras e o último, premiado em inúmeros festivais, incluindo Nova Iorque e Hollywood, a curta-metragem “ O Nosso Caminho” de Pedro Gil Vasconcelos.

Fotos: Cortesia de Mário Dorminsky

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