A VIVA! esteve à conversa com Rui Xará, um humorista que dispensa qualquer tipo de apresentação e que já pisou alguns dos maiores palcos do país. Desde o seu início no mundo da comédia, a objetivos futuros, passando ainda pela paixão pelo SC Braga, foi possível conhecer um pouco mais sobre o artista.
O Rui já faz comédia há mais de duas décadas. Começava por lhe perguntar o que é que, na sua forma de fazer humor, mudou durante este tempo e o que é que se manteve?
Mudou muita coisa. Em grande parte porque os públicos mudaram, e houve uma evolução muito grande também nos costumes e na forma de se ver o mundo. Ou seja, por um lado já não tenho que explicar a um público o que é isto que eu estou a fazer, por outro lado, a existência desse público habituado a comédia elevou o grau de exigência sobre o quê e como se podem dizer as coisas. O que se manteve, acima de qualquer outra coisa, foi a minha paixão e até mesmo o meu amor por esta arte que é a Stand Up Comedy.
Ainda se lembra de como é que foi a sua primeira experiência em cima de um palco a fazer stand-up?
Lembro-me, porque no meu caso é muito fácil lembrar-me, uma vez que foi no meu próprio bar, o Púcaros, num já longínquo ano de 1988. Talvez por esse motivo não tive a sensação de desconforto que muitas vezes acontece numa estreia dessas, já que estava a jogar em casa e isso dá um grau de confiança muito superior à de qualquer palco desconhecido. É muito provável que isto tenha contribuído para que eu desde a primeira hora tenha tido a certeza que era isto que queria fazer toda a vida.
Por falar em palco, diz-se muito que o público do Norte é diferente. Enquanto performer, sente isto? O que é que muda na forma de preparar um show, estando em Braga/Porto ou indo, por exemplo, para o sul do país?
Eu concordo que os públicos são diferentes e que no Norte há uma maior tendência para eles serem mais calorosos e efusivos. Mas dentro do Norte há públicos muito diferentes, alguns não muito interessantes, e no Sul há alguns dos melhores públicos para os quais já atuei. Portanto, essa premissa tem o seu quê de relativo. Em relação à forma como me preparo, normalmente não varia em função da geografia. Tenho é a noção de para onde devo ir pelo comportamento do público nos primeiros minutos da actuação.
Num podcast, chegou a dizer que o “humor é a coisa mais séria que há”. No seu entender, como seria um mundo onde todos levássemos o humor a sério?
Se eu bem entendo o âmbito da pergunta, seria um mundo bem melhor e mais de bem consigo mesmo. O humor, como qualquer outra arte, deverá estar sujeito a certos crivos de qualidade e até bom gosto. Por isso acredito que se essa arte fosse encarada com a mesma seriedade que outras são, deixaríamos por um lado de discutir os seus limites e passaríamos a valorizá-la e a procurar elevá-la a outros patamares que ainda escasseiam. Veja por exemplo o caso dos programas de humor americanos em prime time, que são para muitos a melhor e mais fiável fonte de informação e notícias.
No espetro do humor, quais é que diria que são os temas que, por regra, gosta mais de explorar e os que gosta menos? Segue algum tipo de “regras” no seu processo de criação de textos de humor?
Vou começar pelo fim e dizer desde já que infelizmente não tenho propriamente um método de criação definido. Vivo muito da espontaneidade e dos momentos de inspiração que vão surgindo, acabando por trabalhar mais as ideias em palco do que previamente. Sei que não é o melhor dos métodos. Em relação aos temas, não há uma preferência clara por este ou aquele. Vou sempre mais pelo ângulo que mais me agrada (gosto particularmente dos mais corrosivos), do que por um ou outro tema em particular. Não nego que os grandes eventos da vida de um ser humano têm um certo apelo para mim, mas esses dificilmente constituem sempre o mesmo tema.
De todas as artes performativas, se calhar a comédia é aquela em que a avaliação é mais constante por parte do público. Dirias que o humorista tem menos direito a errar, de certa forma?
Sim, porque a reação é imediata, sobretudo na Stand Up Comedy. Aliás esse facto está na patente na definição do conceito, é a única arte em que a estrutura da mesma é composta por três partes, em que a última é precisamente a reação do público (set-up, punchline, payback). Talvez por isso também é que há poucas artes tão viscerais quanto esta. O riso é provavelmente a reação menos planeada que alguém pode ter, para o bem e para o mal.
No seu percurso, chegou a passar pelo programa “Levanta-te e Ri”. O que é que guarda com mais carinho da sua passagem por este programa?
Provavelmente duas coisas: por um lado a forma profissional mas ao mesmo tempo atenciosa com que toda a equipa do programa nos tratou, e por outro lado as inúmeras reações positivas do público ao longo de todos estes anos, uma vez que os programas repetem frequentemente. Ainda hoje recebo mensagens a elogiar a minha participação em qualquer dos três programas em que estive.
Como referido anteriormente, já pisou inúmeros palcos dos maiores que há em Portugal. Quando se atinge esse patamar, o que é que vem a seguir? Tem algum objetivo ainda por cumprir na comédia?
Em termos de palcos, ainda me faltam dois ou três que são pessoalmente relevantes de fazer a solo, por exemplo os Coliseus. Mas acima de tudo eu procuro evoluir sempre, arriscando fazer coisas nas quais a princípio não me sinto totalmente confortável. Tenho sempre a necessidade de criar, de arriscar, e nesse sentido acho que tanto na Stand Up como eventualmente no audiovisual, ainda me falta fazer coisas, independentemente do “palco” que for.
Na sua página de Instagram, volta e meia, faz posts alusivos à música. Se não tivesse desde cedo enveredado pela comédia, era uma área que gostava de ter explorado? Aliás, considera ainda explorar?
Sim, sem dúvida! Até porque nos primeiros tempos de comédia a minha principal abordagem eram paródias musicais com algumas das músicas que eu considerava mais icónicas. Desde o “Wish You Were Here” dos Pink Floyd, até ao “Otherside” dos Red Hot Chilli Peppers, passando por uma série de canções portuguesas conhecidas por todos. Mas para além disso, sempre tive e tenho um enorme amor pela música e uma carreira como membro de uma banda de rock era e é algo onde sinto que encaixaria na perfeição.
Ainda acerca das redes sociais, lá faz muita alusão ao SC Braga. Diria que o futebol, especialmente quando o Braga não vence, é o seu “limite do humor”?
Não propriamente. Diria que o futebol é um limite do humor auto imposto por muitos comediantes mais para evitarem reações exacerbadas da parte de adeptos fanáticos, do que propriamente pelo tema em si. No meu caso em particular, e como sou reconhecido como adepto do SC Braga, as derrotas do meu clube não me impedem de fazer humor com isso, se eu achar que há aí um ângulo cómico. Nunca é demais reiterar que no humor, como em qualquer arte, não há limites.
No mundo do humor, quais é que diria que são as suas grandes referências?
São muitas, diversas e que foram mudando ao longo do tempo. Desde os actores e filmes clássicos americanos (como os irmãos Marx, Mel Brooks e Blake Edwards), passando pelos enormes Monty Python e pelo Seinfeld, até aos grandes comedians americanos e ingleses, muitos dos quais ainda fazem Stand Up hoje em dia. Destes, destaco George Carlin e Eddie Izzard, para não ser exaustivo. No entanto, há três nomes em língua portuguesa que foram, são e serão mais do que uma referência, uma inspiração: Raúl Solnado, Juca Chaves e Mestre Herman José. Não é despropositado referir que desde que a minha geração começou a fazer Stand Up em Portugal, de uma forma ou de outra, todos nos influenciamos
mutuamente.
Diria que, por ser humorista, tem mais dificuldades em ver humor com um olhar mais distante?
Se eu bem entendo a pergunta, diria que não. Primeiro porque sendo uma arte que eu amo, isso aumenta o meu grau de exigência sobre a mesma. Por outro lado, apesar de eu estar diretamente muito envolvido, não alinho em visões corporativistas e acho que todos estamos sujeitos à crítica de pleno direito.
Se tivesse de usar uma palavra para falar da sua carreira até ao momento, qual seria e porquê?
Gratificante. Tenho o privilégio de fazer mesmo aquilo que gosto, quase sempre com pessoas de quem gosto e para um público de quem recebo acima de tudo carinho. Além do mais, esta arte deu-me estabilidade financeira e, pelas inúmeras viagens que me levou a fazer, conheci sítios incríveis, pessoas ainda mais incríveis e criei uma rede de contactos/amigos da qual usufruo ainda hoje em dia, muito para além do trabalho. Sou um puto bastante realizado, mas nunca acomodado.