
Margarida Cantarelli tinha dezasseis anos quando viu, do alto de um edifício, a entrada no porto do Recife do Navio Santa Maria. Estava, na altura, a iniciar o curso preparatório de acesso à Faculdade de Direito. Este episódio inspirou também Ana Maria César, historiadora, a escrever o “Último Porto de Henrique Galvão”. Livro que resulta de um trabalho de pesquisa, do resgate de factos acontecidos por ocasião da chegada do navio ao porto do Recife, após o sequestro levado a cabo por revolucionários portugueses e espanhóis no Mar das Caraíbas, mas representa também um ponto de vista a partir do Recife de um episódio que começou deste lado do Atlântico.
O paquete português pertenceu à Companhia Colonial de Navegação. Fez a sua viagem inaugural em 1953, ligando Portugal ao Brasil, Uruguai e Argentina e levando a bordo o ministro Américo Tomás. Ficou célebre pelo sequestro, em janeiro de 1961, às mãos de um grupo de portugueses e espanhóis que pertenciam à Direção Revolucionária Ibérica de Libertação, grupo opositor aos governos de António Oliveira Salazar e Francisco Franco, sob o comando do capitão Henrique Galvão. Durante a operação, o oficial João José Nascimento Costa foi morto e a embarcação acabou por fundear no mês seguinte, no porto do Recife, no Brasil.
Segundo Margarida Cantarelli, eram muitos os fatores a conjugar naquele mês de janeiro de 1961. “O mundo tomava conhecimento do aprisionamento do luxuoso paquete português, com 600 passageiros a bordo, cujo objetivo era atravessar o oceano Atlântico e alcançar a ilha espanhola de Fernando Pó – à época, colónia espanhola – ou Luanda, capital da Angola – que já apresentava movimentos insurretos contra Portugal. No entanto, por motivos diversos, o Santa Maria, aproximando-se da costa brasileira, viu-se forçado a encontrar um porto seguro onde desembarcar os passageiros. Havia a pressão internacional, a exaustão dos turistas desviados de seu curso, a escassez de víveres a bordo, enfim, todo um panorama que em nada favorecia os rebeldes. Após o frustrado encontro em águas internacionais de Henrique Galvão e do almirante Allen Smith, representante do comandante da Frota Americana no Atlântico, e do contra-almirante Roberto Dennison, o Brasil surgiu como alternativa”.
Mais de cinquenta anos depois, a especialista em Direito Internacional ressalva dois temas que se mantêm atuais: a pirataria e o asilo.