
Está a ser gravada no Porto uma nova curta-metragem de Letícia Simões. De acordo com a Câmara do Porto, o seu mais recente trabalho, “Travessias Malungas”, é um vídeo-ensaio que estabelece pontes entre o passado de escravatura no Brasil e as vivências atuais de mulheres negras migrantes em Portugal.
A obra foi selecionada para receber apoio da bolsa Neves, promovida pela Filmaporto. O ponto de partida do filme são as estratégias de resistência adotadas por três figuras históricas femininas negras. Entre estas:
- Maria Felipa, conhecida por liderar um grupo de mulheres contra os portugueses na Bahia
- Maria Benguela, responsável pela criação de um quilombo em Sergipe, onde organizou uma comunidade com estrutura política, económica e espiritual próprias
- Maria Rufina, símbolo da persistência do sistema escravocrata mesmo após a sua abolição oficial
Segundo a autarquia, o enfoque desta produção cinematográfica não se limita ao passado. Letícia Simões também dá voz a mulheres negras migrantes no Porto. “Resistir não é apenas enfrentar, mas também criar espaços de vida, cuidado e espiritualidade” – refere.
A realizadora destaca ainda que, para si, o mais impactante foi entender como é que estas mulheres conseguiram proteger as suas comunidades e manter a sua cultura viva. As interpretações das artistas Tony Omolu e Wura Moraes trazem estas narrativas para o presente, e o corpo — presença central no filme — assume múltiplas dimensões.
“O corpo virou arquivo, virou embarcação, virou encruzilhada. Descobri que há uma memória que não está nos livros, mas nos músculos, nos pés que pisam a terra, na respiração que se altera diante de certos nomes” – explica a realizadora.
Dito isto, poder-se-á dizer que a cidade do Porto não é apenas um palco, mas sim uma parte importante desta história. Letícia recorda que foi “uma escolha” filmar na Invicta, sublinhando o passado da cidade como um dos principais centros ligados ao tráfico negreiro.
“O corpo negro, que antes era capturado e levado, hoje caminha pelas ruas, trabalha, sonha, sobrevive. A cidade do Porto aparece no filme como cenário e personagem — ora cúmplice, ora resistente — de uma história que ainda se escreve” – conclui.
Foto: (via CMP – crédito Renato Cruz Santos)