A jornalista Paula Alves Silva, uma genuína Millennial, desde muito jovem que se desdobra em tarefas onde procura ajudar a construir um mundo melhor. Diz-nos: “Eu tenho um sonho. Que um dia, estes nossos políticos esqueçam a sua afiliação política e se sentem numa mesa, homens e mulheres deste planeta, despidos de ideologias e preconceitos sociais, com todos os atores necessários à ação. Que um dia se entenda que o Estado são eles e somos nós e que o país, o mundo, necessita que se aja agora. Já! Que um dia se entenda o desperdício que são estas horas gastas num parlamento a trocar acusações, palmas que mais parecem chicotadas no povo que vive agora num vazio, olha paredes queimadas, troncos negros torcidos e lida com a ausência da perda. Eu tenho um sonho. Que um dia percebamos que juntos fazemos muito mais do que sozinhos. Ai, o quanto poderíamos fazer se isto não fosse apenas um sonho”.
Paula Alves Silva, 32 anos, nasceu em Santa Maria da Feira mas viveu uma parte muito importante da sua vida, académica e pessoal, no Porto. Licenciou-se em Jornalismo e Ciências de Comunicação na Universidade do Porto, entre 2003 e 2007 e fez um Erasmus, na mesma área, na Universidade de Santiago de Compostela. Desde fevereiro de 2014 está em Washington DC a trabalhar no Banco Mundial.
Sempre soube o que queria ser
Cheirava intensamente a papel. Papel em consonância com o imenso barulho dos dedos a bater em teclas. A minha memória desse momento é tão viva que sinto ainda ali estar, naquele preciso momento em que soube que queria aquilo nos meus dias. Queria ser jornalista. Não foi apenas a primeira visita à redação de um jornal que me criou esse sentimento. Foi uma vontade em crescendo. Ler o jornal, ver o noticiário fez sempre parte da rotina familiar e a rotina acabaria por se tornar num imenso prazer pessoal. Questionam-me várias vezes acerca do meu meio proferido e a minha resposta continua a ser a mesma: televisão. A culpa é do meu pai que nos ‘obrigava’ a ver o noticiário ao almoço e jantar, fazendo crescer este bichinho interno sobre a magia que há em unir imagens e palavras, dois dos meus mundos prediletos. Estudar jornalismo foi, portanto, dos meus maiores deleites. Ainda hoje, volvidos estes dez anos de carreira, continuo a achar que é a profissão mais bela do mundo. Depois do Porto fui para Espanha…
… “Ainda temos uma vaga”, disse-me a funcionária da universidade. A minha amiga havia sido aceite em Santiago de Compostela para um semestre de Erasmus e olhavam agora as duas ansiosamente para mim. Peguei no telemóvel, liguei à minha mãe e disse-lhe “Vou estudar para Espanha”. Deste meu impulso resultou um dos melhores capítulos da minha vida. Academicamente Santiago ofereceu-me excelentes professores, um curso de espanhol gratuito, a realização de um documentário sobre uma das terroristas da ETA, com uma história de vida fascinante. Durante aqueles seis meses assisti a uma construção do eu marcante: a independência, a responsabilidade, a abertura mental ao mundo e a minha primeira família internacional formaram-me enquanto mulher e pessoa e, reconheço, abriram este apetite pelo além fronteiras. Assim que regressei a Portugal inscrevi-me no Youthmedia, uma plataforma de jovens que discute as práticas internacionais de jornalismo e busca novas formas de informar. Foi, na verdade, com esta plataforma que viajei para Berlim já formada em jornalismo. Entre o fim da faculdade e os 10 anos que entretanto volveram cabem parcelas em distintos meios: o estágio na RTP; três anos dedicados ao projeto online Canal Superior; três anos destinados à produção audiovisual na Pixbee, onde surgiu o documentário “Era Uma Vez no Iraque”, sobre a operação da GNR nesse país, a série de documentários curtos, com histórias impactantes de portugueses, o “10 Milhões”, um programa documental piloto filmado em Londres, “Povo Capital”, focado na Europa do século XXI, entre outros projetos. Pelo meio surgiu Estórias com Rosto, um blog onde dormem algumas das minhas pequenas histórias fictícias, a colaboração com o Hotelândia, onde jornalistas de viagens escrevem sobre hotéis portugueses, e, mais tarde, a colaboração com o P3, do Público. Um mês antes de chegar a Washington D.C. criei o Eating The World, este ano nomeado para o Bloggers World Awards da Momondo, para acolher os meus artigos, fotografias e vídeos de viagens.
A ida para Washington DC
Sou, sem dúvida, uma apaixonada por Portugal, mas o meu país consegue ser, a meu ver, simultaneamente prazeroso e frustrante, esmagadoramente cansativo. É necessária resistência e paciência para se lutar diariamente contra mentalidades retrógradas, práticas laborais ultrapassadas, cunhas, condições de trabalho precárias que pouco espaço deixam para respirar. E ou se sufoca na aceitação ou se procura uma bolsa de ar. Quando se oferece mais à cabeça do mercado do que à sua constituição num país com tão pouca oferta laboral e salários reduzidos sem progressão face a um mercado global tão atrativo, a tendência é ir. Eu não sou um desses casos de desemprego que abandona o país forçadamente por não encontrar um posto de trabalho. E é errado julgar que todos os cérebros que partiram de Portugal o fizeram por esse motivo. Eu saí porque ansiava por mais. Ansiava por esse desconforto do abandono da zona de conforto, ansiava pelo desafio do novo, do diferente, do risco, ansiava por aprender mais e de forma distinta, ansiava, enfim, por ir, sobretudo porque as experiências passadas, as viagens que havia feito me mostraram o que existe para lá dos nossos limites geográficos. Na verdade, o perigo de experimentar é gostar. Ouvi inúmeras vezes dizerem-me o quão corajosa sou por ir. Essa noção chateia-me um pouco. Os dias de hoje não exigem coragem, exigem vontade. Somos uma das gerações mais informadas e formadas que, numa era de tanta informação, já não parte para um total desconhecimento. A concretização dos ‘sonhos’ exige, sobretudo, investimento pessoal. Muito! Não serve este discurso para dizer que ficar é errado. Serve simplesmente para mostrar que é muitas vezes uma escolha.
A importância do INOV
Cheguei aos EUA em 2014 através do INOV, um programa da AICEP que envia anualmente jovens para o estrangeiro, para estagiar no projeto Connect4Climate, do Banco Mundial, onde acabei por ser posteriormente empregada. O projeto visa informar sobre as causas, consequências das alterações climáticas e soluções existentes, através de diferentes iniciativas. Impressionantemente, há uma larga percentagem da população mundial que acredita ainda que as alterações climáticas são um mito. E não é por falta de dados científicos ou de informação sobre o tema. Na verdade, o peso dos nossos valores é maior do que julgamos. Estas são vozes que com a eleição de Donald Trump ganharam maior volume, fazendo deste um trabalho ainda mais necessário e desafiante. Informar e educar são pilares cada vez mais cruciais na sociedade atual, sobretudo quando se vê que as fendas são cada vez mais visíveis. Relembro o quão excitada fiquei quando revelaram que viria para Washington DC. DC não é uma Nova Iorque, mas na visão jornalística é, sem dúvida, uma cidade estimulante e crucial no panorama internacional. É, como sabemos, um importante centro de decisões, para além de ser uma cidade politicamente muito ativa. Tenho esta permanente sensação de que algo relevante acontece aqui diariamente. Além disso, as pessoas em cargos importantes são bastante mais acessíveis do que em Portugal, por exemplo. São muito menos pretensiosos nesse sentido e isso, confesso, foi uma óptima surpresa. Enquanto jornalista, a língua pode ser uma barreira inicial, mas julgo que com o tempo é uma questão que se vai diluindo. O único problema em termos de movimentação no mercado é o visto, o que leva a que, regra geral, as empresas prefiram recrutar cidadãos americanos. No Banco Mundial trabalhamos num ambiente tremendamente multicultural e, portanto, foi preciso assimilar que diferentes culturas têm diferentes métodos de trabalho e estabelecem a relação pessoal e profissional de uma forma distinta. A minha equipa é sobretudo formada por europeus e, desse modo, as semelhanças são maiores que as diferenças, mas rodeados de outras equipas percebemos que há naturalmente uma distinção entre a relação profissional e pessoal e a profissional, o ambiente profissional é bastante menos ruidoso/agitado e são bastante mais focados nas tarefas e no delinear do trabalho, com prazos definidos.
Mandem-se sem hesitações!
Façam as malas e partam sem hesitações. É difícil que se entenda através de palavras aquilo que apenas se perceberá experienciando. E não negarei que a distância tem as suas desvantagens, mas o que se ganha trabalhando num outro país dificilmente se alcançará não o fazendo: maior capacidade de adaptação cultural e profissional, maior resiliência, maior respeito multicultural, um entendimento maior do mundo, um alargamento da rede de networking, mais amigos, novas experiências culturais, tempo para explorar, a oportunidade de vivenciar diferentes visões e formas de trabalho, obtenção de uma maior abertura mental e a capacidade de criar, deste modo, mais oportunidades. O crescimento pessoal é inegável. As experiências e a distância transformam-nos positivamente, tornam-nos mais resistentes e mais despertos para a vida e para o mundo. Ganhamos esta capacidade de reconhecer o que nos falta e a importância do que deixamos para trás, tornando-nos, de certa forma, mais patriotas. Há apenas um problema: assim que se começa é difícil querer parar. Passamos a desejar o mundo todo.
Fácil adaptação
A adaptação foi, reconheço, imediata. O meu trabalho tem como objetivo, através de uma alargada comunidade (sobretudo de jovens) online, informar sobre as alterações climáticas, dar a conhecer histórias de todo o mundo relativamente à temática, demonstrar as consequências e, desta forma, fazer com que as pessoas vivam de forma mais sustentável. Em última instância, combater as alterações climáticas, através da ação individual e conjunta. É um trabalho verdadeiramente abrangente. A minha equipa é composta maioritariamente por europeus e, portanto, não senti um choque cultural ou profissional. Obviamente que estando inserida no mercado americano, rapidamente percebi que o modelo de trabalho aqui é muito divergente, com muitas sensibilidades devido à sua multiculturalidade, em geral muito mais focado e exigente quanto a cumprimento de datas, muito versado no poder do networking e com uma visível separação entre vida profissional e pessoal. Particularmente, acho que não poderemos usar uma cidade para falar sobre os EUA. Seria quase como dizer que os Europeus são todos como os portugueses. DC, por ser uma cidade muito política e por acolher aqui organizações internacionais, é um melting-pot, muito recetiva a outras culturas, com uma mente, em geral, bastante aberta relativamente às várias questões sociais e culturalmente ativa. Infelizmente, com a eleição de Trump começam a surgir algumas vozes conservadoras, mas que em DC têm por agora muito pouca audiência.
As alterações climáticas
Inegavelmente a maior percentagem da população mundial está ciente da urgência que existe no combate às alterações climáticas e do peso que as ações do Homem representam para o Planeta. Os dados mostram que o mundo não conseguirá, num futuro muito próximo, suportar o nosso estilo de vida atual, sobretudo com uma população mundial em crescendo. E as consequências vivem-se já hoje: seca extrema e escassez de água e comida que conduzem à instabilidade e migrações em massa, tempestades mais fortes e mais frequentes, problemas de saúde provocados pela poluição, etc. Mas adotar comportamentos ecológicos não é algo que possa ser imposto. Eu deixei de comer carne há mais de um ano, mas não posso, por exemplo, obrigar alguém a não o fazer porque sabemos que a produção de carne representa mais de 50% das emissões de CO2. Há inúmeras ações individuais que cada um de nós pode adotar para proteger o ambiente. Cabe, obviamente, a cada indivíduo perceber o que está disposto a fazer. O que temos todos de ter em mente é que somos nós quem constrói a casa onde vivemos, o planeta azul. Mas a verdade é que a geração de hoje é mais ativa e menos egoísta nesse sentido. É uma geração que percebeu o quão importante é agir para proteger futuras gerações. E por isso esta não é uma visão fatalista, porque as soluções existem e o dinheiro para as implementar também
Portugal e EUA
Apontar algumas diferenças num país onde tudo é completamente diferente de Portugal parece quase impossível. Mas talvez possa destacar uma divergência que é tremendamente notória: o patriotismo ‘cego’ que os americanos têm. Independentemente das decisões governamentais que se possam tomar, do papel que os EUA têm no mundo e a controvérsia que esses atos causam frequentemente, os cidadãos americanos acreditam firmemente que os EUA são uma espécie de salvador do mundo e orgulham-se tremendamente do país que têm. Posso ainda afirmar que os americanos são extremamente simpáticos. Ouve-se sempre um ‘Olá, como estás?’ quando se entra no autocarro, num supermercado, numa loja, num café, etc, – mesmo que nem sempre seja sinónimo de quererem uma resposta. E, portanto, num primeiro contacto é um povo acolhedor, tremendamente disponível para ajudar, oferecendo-se muitas vezes para o fazer, bastante atencioso com turistas e estrangeiros. No entanto, furar a barreira que existe entre ser um conhecido e transformarmo-nos num amigo exige algum tempo e esforço da nossa parte. Noutros patamares, gostam de separar trabalho de diversão e são bastante focados profissionalmente.
O futuro
Tem sido uma experiência maravilhosa, mas tenho a impressão de que esta ainda não é “a cidade”. É óbvio que gosto bastante de DC, tenho aprendido bastante nos vários sentidos e, enquanto jornalista, estar na capital dos EUA, o centro do poder, é um privilégio. Mas viver a três horas de carro do mar atormenta-me bastante. Além disso, o visto é uma questão problemática que, infelizmente, dificulta tremendamente a movimentação profissional dentro do país.
Sinto saudades de Portugal do café, peixe, natas e do meu mar do Norte. Esta é seguramente a pergunta mais frequente e esta é sempre a resposta que dou prontamente. Obviamente do que sentiremos sempre mais falta no nosso país serão as pessoas: a família, os amigos. A distância e a saudade flagelam-nos a alma. Não há dúvida que nunca nada os substituirá e viver sem eles diariamente pode ser uma aprendizagem dura. Mas a nossa gastronomia, a nossa paisagem (e o meu Porto) e o povo português serão sempre marcos fortes dentro de mim, memórias saudosas para onde quer que viaje. Levá-las-ei sempre comigo, falarei sempre deles a outros povos e sempre regressarei a eles.
Uma cena caricata
Tenho a impressão de que este é um país muito propício a situações caricatas. Talvez de entre as várias histórias, possa partilhar a que me aconteceu uma noite na casa de banho de um bar enquanto esperava na fila. Estava na conversa com a rapariga à minha frente quando ela me pergunta de onde sou. Assim que respondi ‘Portugal’, ela agarra de imediato o meu braço e diz-me: ‘Vira-te, por favor, quero ver o teu rabo.’ Podem imaginar o ar de espanto que fiz. Pergunto-lhe porquê. Ela responde: ‘As mulheres de Portugal têm um rabo fantástico. Na verdade já pensei viajar para Portugal e operar o meu rabo lá.’ Regozijemos. O mito do bigode morreu. Nós agradecemos.