“Esta luta custou-nos mais de duas décadas e foi tão dura que, às tantas, chegámos a acreditar na lenda da maldição do Teatro do Bolhão”. As palavras, proferidas pelo ator e diretor da Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE), António Capelo, horas antes da inauguração da nova ‘casa” do espaço teatral, dão conta da “longa e difícil” empreitada a que o equipamento esteve entregue para conseguir sair do “abandono” e do “esquecimento”. E se, de facto, o Monumento de Interesse Público, localizado na Rua Formosa, se encontrava dominado por alguma maldição, o feitiço acabou por ser quebrado no Dia Mundial do Teatro (27 de março). Hoje, o renovado Palácio Conde do Bolhão, nova sede da ACE, já está de portas abertas ao público, após nove anos de obras e um investimento de 2,8 milhões de euros.
“Devolver à cidade um bem patrimonial inestimável e apresentá-lo como um organismo vivo, um centro de artes, cultura e educação, vocacionado para a comunidade” foi o grande objetivo da intervenção. O esplendoroso palácio portuense do século XIX, requalificado graças ao empenho da ACE, da autarquia, e de fundos comunitários e de diversos mecenas, abriu na passada sexta-feira, às 19h00, com uma visita guiada à casa que António Alves de Sousa Guimarães (Conde do Bolhão) mandou edificar, em 1844, e que viria a ser palco das mais badaladas festas a que a elite portuense assistiu na segunda metade do século XIX. Em 2001, o imóvel foi adquirido pela autarquia e posteriormente cedido à ACE/Teatro do Bolhão para aí instalar a sua escola e companhia de teatro.
Para assinalar a abertura da “escola mais bonita do mundo”, como descreve António Capelo, os anfitriões do espaço subiram ao palco para a estreia de “Édipo”, uma encenação do japonês Kuniaki Ida da peça de Sófocles, interpretada pelo diretor da ACE, por João Paulo Costa e João Cardoso, que ‘vestem’ vários papéis, tal como faziam os atores gregos da Antiguidade. O espetáculo pode ser visto até sábado (4 de abril).
A recuperação do edifício foi projetada pelo arquiteto José Gigante, que trabalhou em estreita colaboração com os responsáveis da escola, que sonhavam, há anos, com a nova sede. Ainda assim, o projeto foi confrontado com inúmeras dificuldades motivadas pela falta de financiamento. A obra principal foi essencialmente paga por fundos europeus e contribuições dos ministérios da Educação e da Cultura e ainda da autarquia portuense, mas foi necessário arranjar mais um mecenas para concluir os restauros das salas. Em termos de projeto, um dos desafios superados foi o da transformação de um anexo, nas traseiras, onde funcionava a Litografia do Bolhão, no auditório principal da companhia. Neste caso, a opção do arquiteto passou por deslocar, literalmente, o espaço do edifício, criando uma espécie de rua, ao ar livre, entre os dois.
Propostas do primeiro semestre
Depois de “Édipo”, a programação do Palácio do Bolhão prossegue com “A Revolução Dos que Não Sabem Dizer Nós”, em cena entre os dias 8 de abril e 17 de maio. Entretanto, de 15 a 25 desse mesmo mês, o palco portuense apresentará a obra “Começar a Acabar”, de Samuel Beckett, com encenação de João Lagarto. Seguem-se os espetáculos “Almas Mortas” (até 14 de junho), “Território”, de Joana Providência (8 a 10 de julho) e “Maisin Marlène”, de António Júlio (de 15 de julho a 2 de agosto).
O serviço educativo do Palácio do Bolhão iniciará a suas visitas guiadas, aos sábados de manhã, a 18 de abril. Cinco meses depois, em setembro, o percurso pelos salões, escadarias e recantos passará a contar com dramatizações. Na vertente do acolhimento, o renovado espaço abrirá as suas portas, de 14 a 21 de junho, ao Festival Internacional de Expressão Ibérica (FITEI).
Texto: Mariana Albuquerque | Fotos: Miguel Nogueira/CMP