Em Portugal, a equipa envolvida no estudo é liderada pelo professor José Maia, do Laboratório de Cineantropometria e Estatística Aplicada da FADEUP, e pelo coordenador Daniel Santos. Em declarações à Viva, o docente explicou que, “por estranho que pareça”, o ISCOLE foi financiado pela Coca-Cola. “A maior parte dos eventos desportivos à escala mundial são financiados pela Coca-Cola e, há dois anos, realizou-se em Ontário, no Canada, o congresso mundial da atividade física”, começou por referir o responsável, acrescentando que também aquela iniciativa foi patrocinada pela marca que, segundo José Maia, teve “um grande cuidado na escolha dos melhores produtos”, nomeadamente frutas, iogurtes, flocos e sumos.
Nessa altura, contou o professor, uma das Chefes de Divisão da Coca-Cola realçou que a entidade tinha em mente dois grandes objetivos – ajudar, na medida do possível, a neutralizar o flagelo mundial que é a obesidade e promover, nas zonas mais diversas do mundo, a prática desportiva gratuita. “De facto, se temos uma epidemia no nosso tempo é, sem dúvida, a da obesidade. Por mais dinheiro que se gaste, não se está a conseguir estancar esta epidemia”, sustentou o docente da FADEUP. Desta forma, a conhecida marca revelou estar interessada em “financiar um projeto, à escala global, que permitisse ter uma ideia mais esclarecida do modo como os diferentes países poderão elaborar estratégias, com especificidade local, para debelar o problema”.
Já com as suas metas bem definidas, a Coca-Cola decidiu, então, contactar o Penington Biomedical Research Centre (PBRC), nos EUA, considerado um dos mais prestigiados centros de investigação do mundo, concretamente na área da obesidade. E estavam, assim, lançadas as bases para o arranque do ISCOLE, encabeçado por dois estudiosos apreciadores do nosso país. “Um deles é amigo da nossa instituição [FADEUP] e esteve várias vezes em Portugal, no Porto. O diretor do Penington também tem uma paixão especial pelo nosso país”, referiu o docente, mencionando que, contudo, existem, “evidentemente, noutras zonas do país, colegas com capacidade suficiente para gerir um projeto desta natureza”. “Nós fomos escolhidos devido à consideração que eles têm pela nossa instituição e pela Universidade do Porto e também pela garantia de lidarem com alguém já conhecido”, salientou. Integrados no projeto estão também a Inglaterra e a Finlândia.
Vinte e três escolas do grande Porto envolvidas na investigação
Através de uma verba disponibilizada pelo PBRC (6,2 milhões de dólares para os doze países), Portugal contou, ao longo de um ano letivo, com uma equipa de oito investigadores que trabalharam em ‘full time’ num amplo processo de recolha de informação em 23 escolas da região do Porto. “Depois de termos explicado o projeto às escolas e de termos o consentimento das famílias, a adesão foi extraordinária”, garantiu José Maia, esclarecendo que a pergunta central do ISCOLE é simples: “porque é que as crianças são mais obesas e sedentárias?”. “A questão é esta e o projeto não vai deixar de fornecer elementos para a definição de medidas de combate ao problema”, assegurou.
Assim sendo, as equipas técnicas recolheram, em cada escola, “um conjunto vastíssimo de informações relativas à criança”: dados sobre o estabelecimento escolar, as famílias e o ambiente que rodeia os alunos. “Temos as informações básicas sobre o seu crescimento, a maturação biológica, composição corporal e nutrição. As crianças andaram até monitorizadas com um acelerómetro durante sete dias para termos uma ideia do seu dispêndio energético diário e também dos seus hábitos de sono”, sublinhou. O professor informou ainda que o ISCOLE definiu que a amostra de cada país teria de ser constituída, pelo menos, por 500 crianças, sendo que, em Portugal, o número de miúdos amostrados atingiu os 800.
José Maia esclareceu ainda que o projeto assumiu, desde logo, “que não era possível ter uma amostra representativa de cada país”. “A ser assim, o trabalho teria de envolver outros meios e outras instituições, nomeadamente governamentais – o ministério da saúde, por exemplo”, realçou. “Contudo, não deixa de ser uma amostra representativa de um estrato particular da população portuguesa”, sustentou o responsável.
Estudo complementar
O Penington Biomedical Research Centre permitiu também que cada país realizasse um estudo auxiliar, pelo que, numa parte das crianças, a equipa portuguesa analisou ainda fatores de risco cardiometabólico, como a tensão arterial, a glicemia e o colesterol. “Alargámos o leque de variáveis para tentarmos traçar o perfil dos jovens de risco”, informou José Maia, esclarecendo que os técnicos enviaram a todas as famílias um relatório com os resultados da avaliação das crianças. “Houve sempre este cuidado de prestar um serviço à comunidade”, acrescentou, referindo que encara o projeto como uma espécie de “triângulo amoroso entre a Universidade do Porto, o PBRC e a escola.
Neste momento, ainda não foram divulgados os resultados das recolhas informativas efetuadas nas 23 escolas. “Enquanto os técnicos não tiverem a maior certeza de que a informação não contém erros desnecessários, não a libertam para ninguém”, explicou o docente, informando que, no mês de junho, já deverão ter em mãos todos os dados, que serão inclusivamente utilizados por alunos da FADEUP na realização das suas teses. Além disso, em setembro, haverá um congresso mundial sobre ciências da nutrição, em Espanha, durante o qual o projeto vai ser apresentado. O seminário será organizado pelos três países que terminaram mais rapidamente a fase de recolha de informação nas escolas: Portugal, Colômbia e Quénia.
Texto: Mariana Albuquerque