
Sim, estamos em plena segunda vaga de transmissão de SARS-CoV2. Prevê-se uma terceira vaga e, dado que não há ainda restrição de voos entre Portugal e Reino Unido, a nova estirpe de coronavírus vai chegar inevitavelmente.
As perguntas são muitas. Numa semana somos injectados com uma dose de optimismo quando vemos uma senhora de 92 anos a ser vacinada no St Thomas Hospital em Londres e pensamos que a vacina seja o início do fim. Na semana seguinte, também do Reino Unido, chega a notícia do confinamento mais estrito para o Natal. Tudo porque identificaram uma nova estirpe de SARS-CoV2. E o que sabemos? Nada. Se a estirpe é mais infecciosa, se é menos, se é mais grave, se tem resposta vacinal cruzada com a vacina desenvolvida até ao momento, são tudo suposições e incertezas.
Por isso vos digo, ao contrário dos arco-íris que asseguram que vai ficar tudo bem, o coronavírus veio para ficar. E na verdade, ninguém tem assim tanta certeza de como as coisas ficarão.
O que sabemos é que um Sistema Nacional de Saúde depauperado por administrações e tutelas coniventes com o seu desmantelamento, chegou efectivamente no seu limite. As escalas estão cheias de buracos, os profissionais também adoecem e realmente não há ninguém para os substituir. Não temos médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica e técnicos em gavetinhas diligentemente à espera para serem chamados para a linha da frente. Não. Somos os mesmos, sempre os mesmos, continuaremos a ser os mesmos. Os contratos que agora surgiram têm o seu termo a 4 meses. O que é isto? Acham mesmo que daqui a 4 meses a pandemia acabou?
O SARS-CoV 2 mudou a face da saúde em Portugal: colocou-lhe máscara, touca, viseira e distanciou os doentes dos profissionais de saúde.
Todas as dificuldades de acessibilidade aos cuidados de saúde, intensificaram-se. No contexto de pandemia, tudo se tornou mais lento, mais pesado, mais burocrático. Como se a pandemia servisse precisamente para colocar milhares de pedrinhas em todas as engrenagens.
O que eu temo, sobretudo, é o impacto da pandemia na humanização dos cuidados. Tenho a sensação que em menos de um ano conseguimos regredir 20 anos de sucessos neste quadrante. Acompanhantes vedados, consultas reduzidas ao mínimo, contactos telefónicos invés de conversas presenciais. E as máscaras, sempre as máscaras, tornando-nos especialistas em linguagem corporal e mestres na descodificação de conversas abafadas.
Não sei onde isto tudo nos vais levar. Mas não prevejo um caminho fácil. Será que vai ficar tudo bem?
Joana Martins
Pediatra
www.pediatrajoanamartins.com