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CIN - Branco Perfeito

Luís Ismael: “O Balas e Bolinhos 4 vai ser uma festa” (lê a entrevista completa)

Luís Ismael:

Tem raízes nortenhas, tendo nascido mais concretamente em Valongo. Num meio tão fechado como o cinema em Portugal, diria que isso foi e continua a ser um entrave?

Sim, claro, naturalmente. Digamos que Valongo não é um ícone cinematográfico em Portugal. Quando surgimos com o “Balas e Bolinhos”, houve uma certa resistência, mas é como tudo na vida. As coisas evoluem e, para nós, nunca vimos isto como um problema. O cinema, como todas as artes, não deve ter um local específico para ser feito. Não é por sermos de Valongo, de Bragança, ou de Faro, o que importa é produzir e fazer coisas. Nunca tivemos essa forma preconceituosa e geográfica da coisa.

Quando define a altura em que percebeu: ok, isto pode mesmo ser a minha vida?

Eu sou realizador de cinema, mas não faço disto vida. Eu sou realizador de publicidade, também. É muito difícil em Portugal ter esta função diária. Eu, na verdade, assumo que faço cinema por paixão e por amor à arte. Não me revejo na situação de ser apenas e só cineasta. Gostava muito, mas não sou.

O “Balas e Bolinhos 4” está prestes a estrear, no dia 15 de agosto. De um modo geral, o que é que o público pode esperar? Tanto os que estão por dentro do universo do Balas como quem vem de novo?

Este “Balas e Bolinhos” surgiu da necessidade que nós tínhamos de celebrar os 20 anos do projeto. Só que veio a pandemia e depois decidimos celebrar os 25 anos do projeto. É claramente um filme dirigido para os fãs e admiradores do “Balas”. Digamos que vai beber muito da sua influência ao primeiro filme . Aliás, nós vamos revelar algumas personagens que, no primeiro “Balas” falamos, mas que não apareciam. Neste filme, vão aparecer. No fundo, isto é como um agradecimento a todas as pessoas que mantiveram vivas as personagens, o filme. Por isso, é uma celebração de um filme que criou uma legião de fãs à sua volta e que têm sido muito generoso connosco. Fala por mim e também pelos outros atores, quando digo que as pessoas são muito carinhosas e afetuosas ao projeto. Nós sentimos um alívio na pele e muita gratidão. Nós não éramos para fazer um filme. Tínhamos alguns conteúdos para libertar nos 20 anos do projeto, só que como veio a pandemia decidimos libertar na altura em que estavam todos em casa. Era a nossa maneira de ajudar as pessoas a ficar em casa e a ver novos conteúdos inéditos do “Balas”. Depois da pandemia, conversamos todos um bocadinho e decidimos fazer um novo filme.  

O primeiro filme do Balas e Bolinhos já tem mais de 20 anos. No processo de criação, o que é que mudou, 23 anos depois, da conceção de um para outro?

Sim, muita diferença. O primeiro tinha uma característica que era a vontade de fazer qualquer coisa. Mesmo sujeito a críticas, o objetivo era fazer algo genuíno e verdadeiro para um público muito específico. A nossa evolução é visível, não sei se é boa ou se é má, mas há uma evolução. Muita gente ainda tem predileção pelo primeiro filme, mas sentimos que, como profissionais, como atores, tínhamos de evoluir e este filme vem dar uma nova característica de evolução do projeto. São coisas diferentes, mas o objetivo é o mesmo: fazer divertir o público.

O que é que permanece igual?

A nossa coerência em assumir que as personagens são agrestes, são hardcore, que não têm medo de dizer o que deve ser dito. Mesmo vivendo num ecossistema de difícil expressão, em que qualquer coisa pode ser levada para outros caminhos. Nós não fizemos cedências e mantivemos a personalidade e a maneira de ser das personagens, assim como a maneira de comunicar. Isto é claramente um filme do “Balas”, com as mesmas personagens uns anos depois. É um filme mais maduro, até porque já não somos malta nova, já passamos a barreira dos 50 anos. No entanto, é giro porque acho que o espírito “Balas” se mantém lá. Foi das coisas que mais me surpreendeu a mim. Não é fácil manter todos estes ingredientes que fomos tendo ao longo dos anos. Acho que conseguimos manter todas as características que tornaram o “Balas” tão especial para tantas pessoas.

Não é propriamente arriscado referirmo-nos ao Balas e Bolinhos como um verdadeiro “fenómeno” como há poucos em Portugal. Há algum ingrediente secreto na vossa forma de pensar os filmes?

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A questão fundamental que também fazemos a nós próprios é: o que é que nos distingue? O que nos torna diferentes, de certa forma. Acho que existe uma certa empatia entre as quatro pessoas que aqui estão. Acho que todos nós damos um input necessário a cada uma das personagens. Depois, tudo se constrói à volta destas quatro pessoas. O Sporting tinha os 5 violinos e, da mesma forma, nós quando nos juntamos trazemos um pouco de nós, o que torna as coisas melhores e mais interessantes. Acho que funcionamos bem. Há um conjunto de coisas que fazem com que o produto consiga ter alguma coerência. Também tivemos dezenas de conversas para perceber como estava o guião, qual o caminho, e perceber em função do orçamento, tudo aquilo que podíamos fazer para manter o que o público quer e também ser algo exequível. Há que perceber que fazer cinema há 12 anos era muito diferente de fazer cinema agora. As coisas evoluem e nós temos de aprender a evoluir com elas.

É impossível falar no filme sem referir o Tone, o Rato, o Kulatra, o Bino. Diria que algum destes personagens vai surpreender o público, de alguma forma?

Acho que a personagem que mais vai surpreender o público vai ser o Kulatra.

Chegou a referir numa entrevista que o conceito do filme foi vendido para vários países, como Bélgica, China, Taiwan, etc. Isto coloca alguma “pressão” sobre o projeto, quando sabem que estão a ser vistos de fora?

Na verdade, nunca senti nenhuma pressão. Eu quando parto para qualquer coisa, há sempre duas possibilidades. Ou temos sucesso ou não o temos. Por isso, temos de estar preparados para os dois necessários. É como um compositor que faz uma música e não sabe se ela se torna num sucesso incrível ou não. Eu quando entrego o projeto gosto de sentir que fiz o melhor e que tentei evoluir e fazer coisas diferentes. Isto sempre a manter uma espécie de linha editorial, que ligue os quatro filmes. No entanto, nunca deixando de arriscar e a gostar de fazer coisas novas. Colocar as personagens em novos patamares. Eu não quero estar sempre a capitalizar o sucesso passado. Acho que é giro dar outras perspectivas, outra maneira de fazer as coisas e de os divertir. Sempre com as mesmas personagens, mas com outras ciladas humorísticas que surpreendam as pessoas. Uma das coisas que decidimos foi não revelar muito no trailer, nas redes sociais, para não estragar a ida ao cinema. Gostávamos que fosse uma festa do cinema português, que as pessoas vão em família, com os amigos, acho que é uma coisa gira. É isso que queremos, que as pessoas tenham o reencontro e sintam alguma nostalgia dos anteriores. Mas que sintam sempre que valeu a pena e que o dinheiro do bilhete foi bem usado. Foi uma das coisas que muito me surpreendeu no “Balas e Bolinhos 3”. Muitas pessoas diziam que foram os melhores 5 euros que gastaram no cinema. As pessoas gostam de sentir que o dinheiro que têm e que o ganham depois tem o devido valor e eu também vejo isso como uma responsabilidade. Ao gastar dinheiro em cinema português, que tenham o devido divertimento. Quem vai ver o “Balas e Bolinhos” não procura cinema erudito ou sobre as vicissitudes da vida, mas ter ali um espaço para se divertir em família, amigos e é isso que pretendemos.

Já vimos e previsivelmente iremos continuar a ver muitas comédias feitas em português, no entanto é inegável que o Balas tem uma linguagem muito própria. Acha que este tipo de “personalidade” faz falta a projetos humorísticos?

Eu acho que o “Balas” deu oportunidade a que as pessoas vissem que é possível ter projetos diferenciadores e com o próprio ADN. Penso que o cinema português tem de pensar em encontrar o mais importante: agradar aos portugueses. Um filme português também tem de ser amado pelo povo português. Se depois tiver prémios lá fora, é a outra recompensa. Mas também temos a obrigação de agradar ao público português, contar histórias portuguesas e, mesmo assim, ter mensagens globais. Fazer rir ou fazer chorar, isso somos todos humanos, pelo que a linguagem é só um pequeno código a decifrar. O objetivo final é atingir as pessoas. Acho importante que olhem para o “Balas” como um projeto que criou uma legião de fãs, o que é giro. Acho que falta um “Star Wars” ou um “Regresso ao Futuro” no cinema português. Por muito que as pessoas às vezes não gostem muito do sistema em que o cinema americano é feito, eles muitas vezes mostram-nos histórias que captam a nossa atenção e não são mensagens só deles.  Precisamos de guiões criativos, que captem a atenção da malta nova. Precisamos muito da juventude, no cinema, porque senão o futuro o cinema nacional não vai ser risonho. Não estou a dizer que sou contra o cinema de autor. Tudo tem o seu espaço, mas há um lado ainda não muito visto que é este de criar uma cultura “pop” no cinema português. É importante aligeirar e criar histórias giras com atores e atrizes portuguesas, que consigam encher as salas.

O que acha que mais tem contribuído para que isso não aconteça?

Eu acho que quem produz cinema em Portugal não está muito preocupado com o público, muitas vezes. Está mais a pensar como gerenciar os críticos, para ter boas críticas, para depois manter uma reputação que permita ir aos concursos do ICA para ter subsídios e continuar a fazer cinema. Quando se faz cinema popular, normalmente é-se penalizado por esses concursos. Por isso, há muita gente que não se atreve a ultrapassar essa barreira, que faz com que haja uma maior dificuldade para angariar subsídios. Infelizmente, em Portugal, quase que só temos o ICA como meio de conseguir verbas para fazer cinema. Eu entendo, as pessoas precisam de continuar a pagar contas e não querem colocar isso em risco. Muitas vezes, importa mais ir a um Festival de Cannes, ter boa imprensa sobre os filmes, do que efetivamente ser bem recebido pelo público português. Acho que o ICA devia ter uma linha de cinema comercial e outra de cinema de autor. É muito diferente.

Complete a frase, “o Balas de Bolinhos 4 vai estrear e eu devia ir porque…”

Porque vai ser uma festa. Gostava que fossem com esse espírito para o cinema. É por isso que o “Balas” existe. Para juntar as pessoas todas e pô-las a rir, isso é que é importante.

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