“O sofrimento é capaz de transformar as pessoas, mas, para que isso aconteça, tem de haver capacidade de adaptação”, salienta o trabalho que será publicado na revista científica European Psychologist. Porém, “há casos em que o sofrimento é tão profundo que não se perspetiva a possibilidade de adaptação, pelo que negar o direito a morrer pode ser perpetuar o sofrimento da pessoa”.
Uma das maiores preocupações dos investigadores na área da Psicologia é a inexistência de evidência científica que permita distinguir as pessoas que vão conseguir ajustar-se ao sofrimento, embora manifestem o desejo de morrer num determinado momento, das que viverão em sofrimento psicológico constante.
“Uma das decisões mais difíceis de tomar por parte de um profissional de saúde é saber se a eutanásia é do melhor interesse do paciente. Ou seja, se um paciente que pede para morrer está efetivamente a tomar uma decisão informada e definitiva e se essa decisão representa de facto o seu melhor interesse. Os psicólogos serão, sem dúvida, os profissionais mais capacitados para o fazer” e devem assim assumir assim um “papel de avaliação e orientação”, considera Miguel Ricou, que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
O responsável alerta que, mesmo nos países onde a prática da eutanásia se encontra legalizada, os profissionais de psicologia não estão a ser chamados a intervir.
O investigador do CINTESIS realizou anteriormente um estudo na área do suicídio, onde demonstrou que há alguns fatores que aumentam a probabilidade de as pessoas atentarem contra a sua vida. “O desejo de morrer parece estar associado a uma menor religiosidade, menor capacidade funcional, mais dor, falta de suporte social e familiar e sentimento de perda de dignidade”, diz Miguel Ricou, explicando que os quadros depressivos e a perceção de que se é um peso para os outros também contribuem para a manifestação de vontade de morrer. “Alguém que pondere terminar com a vida enfrenta a mais importante decisão que um ser humano pode tomar. Os psicólogos precisam de se tornar presentes nestas tomadas de decisão”, lê-se no estudo.
Os investigadores defendem então que os psicólogos devem ser chamados a contribuir para o atual debate em torno da legalização da eutanásia e que a legislação deve ser baseada muito mais em evidência científica e menos em valores pessoais. Acima de tudo, o melhor interesse da pessoa doente. Os psicólogos devem intervir junto dos pacientes que requerem a morte antecipada, junto das suas famílias e, possivelmente, junto de outros profissionais que eventualmente estejam envolvidos no processo, independentemente de existir ou não uma mudança na lei.
“Os psicólogos devem avaliar as caraterísticas da personalidade ou outros fatores que possam estar a catalisar ou a inibir o pedido antecipado de morte”, concluem os autores, salientando que esses profissionais devem receber treino específico para prestarem aconselhamento no âmbito dos processos de pedido de morte antecipada.
Segunda-feira 12 Fevereiro, 2018
Investigadores defendem ação de psicólogos na avaliação do desejo de morrer
Um estudo, levado a cabo por Miguel Ricou, psicólogo e investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, e Tony Wainwright, investigador da Universidade de Exeter, no Reino Unido, concluiu que os psicólogos devem ser ouvidos no debate em torno da legalização da eutanásia e do suicídio assistido e intervir sempre que alguém manifeste o desejo de morrer.