“Nasci em Lisboa, mas hoje sou um homem do Porto”.
Nasceu em Lisboa, morou em Viseu, mas diz ser um homem do Porto. Nas ruas e cafés é mimado por todos. Admira e elogia a arte de bem receber por parte dos portuenses. Começou por estudar design e foi também modelo, no entanto, é como criador e designer de moda que se sente realizado.
A primeira loja de Gio Rodrigues era multimarcas e não tinha peças da sua autoria. Tudo mudou quando decidiu abrir o seu atelier na Rua 31 de Janeiro, na Baixa do Porto. Começou por não querer trabalhar com noivas, mas depois de desenhar o primeiro vestido, “foi uma paixão à primeira vista”.
Para o estilista a inspiração nunca foi um problema, visto que tem desde cedo vários cadernos recheados com desenhos de peças de roupa. Confessa que fica nervoso de cada vez que lança um nova coleção, com receio que as pessoas possam não gostar.
Nos seus tempos livres gosta de passear nos Jardins de Serralves ou na Foz e ir comer um gelado até à Baixa com os seus três filhos.
Em entrevista à VIVA! Gio Rodrigues revela um pouco da sua infância, percurso profissional e projetos futuros.
Quem é o Gio Rodrigues? Fale-nos um bocadinho sobre si, onde nasceu e cresceu?
Nasci em Lisboa e aos 14 anos mudei-me com os meus pais para a cidade de Viseu. Soube desde cedo que queria ser estilista, desenhava desde miúdo e tinha cadernos cheios de criações de roupa. Comecei a estudar design em Viseu e ao fim de um ano percebi que design não era moda, mas sim uma vertente muito abrangente. Uma vez que o que eu queria mesmo era estudar moda mudei-me para o Porto aos 16 e fui para a escola Escola de Moda Gudi.
Não cheguei a acabar o curso porque comecei a trabalhar como modelo e acho que me perdi um pouco na parte académica. Acabei por apostar mais na parte como manequim.
Mais tarde confirmei que o que eu gostava na moda não era na passerele, mas sim nos bastidores e resolvi abrir uma loja de roupa multimarcas de designers portugueses. Foi aí que percebi que não existia muita coisa nas marcas e comecei a desenhar uma coleção minha. Lancei a primeira há 26 anos.
Diga-nos algumas qualidades e defeitos seus.
Uma qualidade que muita gente me aponta é a humildade, diria que sou também resiliente e simpático. No que toca a defeitos posso dizer que faço tudo à ultima da hora e por causa disso estou habituado a trabalhar sob pressão. Normalmente tenho sorte e as coisas acabam por correr bem. Sou também muito distraído, não profissionalmente, mas no meu dia-a-dia, por exemplo nunca sei onde andam os meus óculos de ver.
Enumere três coisas que mais gosta na cidade do Porto.
A amabilidade das pessoas e a forma como recebemos quem aqui chega não tem comparação. Relativamente a locais sou apaixonado pelo Palácio da Bolsa, também gosto muito dos Jardins de Serralves e a Torre dos Clérigos.
Como foi a sua infância e adolescência?
Foi muito feliz, dividida entre Lisboa, Viseu e Porto. Como disse, aos 14 anos eu e a minha família mudamo-nos para uma aldeia de Viseu, onde o meu pai herdou uma casa que era do meu avô. Fomos lá de férias num verão e quando acabaram o meu pai sugeriu que ficássemos a viver ali. Ao início o choque foi muito grande porque a vivência não tinha nada a ver com a cidade de Lisboa. Eu já era muito independente, estava a construir as minhas amizades todas, a minha família e os meus primos também estavam a lá e de repente fui parar a uma terra que não me dizia nada.
Em Viseu o sitio onde morávamos ficava a cerca de 30 quilómetros da escola onde andava, então os meus pais alugaram uma casa para mim mais perto. Nessa altura fui morar sozinho com mais um colega e vivi lá um período quase como se estivesse na faculdade. Tenho muitas histórias divertidas dessa altura e fiz amizades que duram até aos dias de hoje.
Ao fim de dois anos mudei-me também sozinho para a cidade do Porto, onde me apaixonei completamente pela cidade. Apesar de ter nascido em Lisboa, hoje posso dizer que sou um homem do Porto.
Conte-nos um pouco sobre como foi o lançamento da sua primeira coleção?
Foi muito engraçado porque eu era muito imaturo, não percebia praticamente nada e arranjei uma costureira daquelas de casa. Na altura fiz uma coleção só de homem muito alternativa, que foi muito bem aceite pela (agora) comunidade LGBTQI+. As peças eram muito diferentes, fiz chinelos para homem, que na época não existia e fiz daquelas calças mais curtas que também não se via. Lembro-me de querer tudo branco, mas os homens não usavam branco, só em casacos, então fiz a minha primeira coleção com tecido de lençóis, tudo em três semanas.
Como surgiu essa experiência como modelo?
Acho que tem a ver um pouco com minha altura, tenho 1 metro e 90. Toda a gente achava que podia ser modelo, mas não tinha jeito nenhum. Concorri a um concurso para ganhar um curso de modelo e ganhei. Depois comecei a trabalhar, estávamos na altura dos anos 90, em que havia desfiles por todo lado, em várias terras do país e eu não parava, sempre de um lado para o outro.
Foi uma experiência muito interessante, que me deu muita maturidade, me fez crescer como indivíduo e aprendi a lidar com as pessoas.
Sempre foi um objetivo seu trabalhar com noivas?
O trabalhar com noivas foi um processo. Quando mudei a minha loja para a Rua 31 de Janeiro era uma localização de noivas e todos os dias me batiam à porta a perguntar se tinha vestidos de noiva. Inicialmente fui muito renitente, não queria entrar neste mundo até que a minha ex-mulher Ana, me convenceu a fazer uma pequena coleção. Depois da primeira noiva foi uma paixão à primeira vista ver os olhos brilhar. Fazer um sonho tornar-se realidade é super gratificante, por isso, neste momento é das coisas que mais me move. Já vesti muitas noivas, uma média de 150 por ano, fiz de tudo o que se possa imaginar. Acho que não há nenhum pedido que me surpreenda.
O que acha das tendências atualmente? Tudo é permitido num vestido e fato de noivos?
Sim, desde que seja o sonho da pessoa. Claro que a marca Gio Rodrigues tem uma identidade, que são vestidos de boa qualidade, mais elegantes, intemporais, mas até já fiz fatos laranja e verdes por exemplo.
Quem costuma ser mais arrojado os noivos ou as noivas?
As noivas sem dúvida. Infelizmente os homens em Portugal carregam um peso em que não lhes permitido arriscar muito. Seguem sempre um padrão e não fogem muito dos modelos mais habituais e clássicos, com receio da opinião das outras pessoas.
Ao longo de todos estes anos tem certamente várias histórias relacionadas com noivas e os seus vestidos. Há alguma que o tenha marcado e que possa contar?
Uma vez noiva veio cá escolher um vestido e o noivo também apareceu. O vestido que ela queria estava na montra e o noivo mal olhou para ele disse “este é o teu vestido, já sei”. Ficamos surpreendidos e perguntamos o porquê de ele ter essa ideia, ao que ele responde: “sei que é esse o teu vestido porque é mesmo a tua cara, tenho a certeza”. Com aquela reação tivemos uma situação um bocado chata e a noiva pediu-me para redesenhar praticamente o vestido todo para que pudesse ter elementos diferentes.
Quais os aspetos mais diferentes entre desenhar vestidos de noiva ou para galas e cerimónias como os Globos de Ouro, por exemplo?
É igual, o peso da responsabilidade é o mesmo. No entanto, consigo compreender que para uma noiva o dia do seu casamento é ainda mais especial do que qualquer outra cerimónia.
De que forma foi crescendo o negócio e o nome Gio Rodrigues?
Tal como referi comecei por ter uma loja com multimarcas que depois deu origem à primeira loja com o meu nome e assinatura. O meu primeiro desfile como designer foi numa discoteca e o segundo já foi no Palácio da Bolsa, com 400 pessoas.
A loja que eu tinha era na Foz, mas na altura a minha ex-mulher aconselhou-me a mudá-la para a Baixa do Porto, porque dizia que o futuro seria ali, nas grandes cidades todas as lojas de marca eram nos centros. Não fiquei muito convencido porque a Baixa estava completamente desabitada e a Rua 31 de Janeiro não tinha lojas, estava tudo fechado. Ainda assim, encontrei a loja onde estou hoje, decidimos fazer investimento maior e compramos o prédio. Foi assim que nasceu o atelier Gio Rodrigues, onde está tudo concentrado, desde a confeção, à parte do design, como a parte de venda.
Neste momento existem duas linhas que é a “Gio Rodrigues Atelier” e a linha “Gio”, que é mais descontraída, com preços muito mais económicos e que não é feita no atelier, mas sim em fábricas.
O que é que distingue a sua marca?
Aquilo que normalmente os meus clientes me dizem é que quando alguém está vestido de Gio Rodrigues nota-se. Nota-se pela elegância, simplicidade e intemporalidade. Ou seja, uma peça que está na moda este ano, vai estar na moda de certeza daqui a 10 anos.
É exatamente isso que pretendo refletir na minha marca. Não gosto muito daquela sensação de quando olhamos para uma foto e pensamos “como é que é possível eu ter vestido isto?”.
Como vive os dias antes de um novo lançamento?
Fico sempre muito nervoso e com receio das coleções não serem bem recebidas, mesmo tendo passado já 25/26 anos desde a primeira vez. Penso que as pessoas não vão gostar e chego até a dizer para mim próprio que é a última vez que vou lançar algo.
Onde vai buscar a sua inspiração? Esse processo costuma ser simples ou existem fases mais complicadas, em que a inspiração teima em não surgir?
Por acaso tenho sorte e a inspiração sempre surgiu de uma forma muito fácil para mim. Ás vezes tenho pessoas que chegam aqui à loja, principalmente noivas, em eu que desenho o vestido na hora.
Quem costuma procurar o seu trabalho? Costuma receber pessoas do todo o país ou mais da região norte?
Costumo receber pessoas de todo o país. Trabalho mais com noivas, mas as pessoas procuram as minhas criações nas suas diferentes vertentes.
Quais a personalidades mais emblemáticas do Porto e país que já vestiu?
Já vesti, obviamente, várias pessoas que admiro, mas não posso deixar de referir as minhas musas dos Globos de Ouro deste ano (Isabel Figueira, Liliana Campos, Maria Domingues, Luciana Abreu, Bárbara Branco e Sofia Arruda). Foram peças que desenhei exclusivamente para elas e ficaram todas muito bonitas e felizes com aquilo que lhes entreguei.
O retorno em relação ao vestidos também foi muito bom, fizemos sucesso nas redes sociais e as pessoas disseram que as minhas peças eram as mais bonitas. Recebemos muitos aplausos na internet e não só.
Na sua opinião o que é que a forma de vestir diz sobre as pessoas? É possível perceber a personalidade de alguém pelo seu estilo?
Acredito que em muitas pessoas o estilo reflete a sua personalidade e outras que é uma máscara. Nós usamos a roupa para nos protegermos, quase como uma capa e, por vezes, há pessoas que parecem bastante exuberantes e no fundo são pessoas tímidas.
De todas as semanas da moda em que já esteve presente qual foi a mais especial?
Tenho uma relação muito especial com Angola e desde que aterrei pela primeira vez naquele país senti algo de muito especial, quem sabe até algo de outras vidas. As semanas de moda em Luanda acabam por ser muito marcantes por causa disso: sinto-me em casa e a recetividade das pessoas em relação ao meu trabalho também é sempre muito positiva.
A semana da moda em Nova Iorque também foi marcante de outra forma porque não me conheciam a mim nem à marca Gio Rodrigues e a recetividade e criticas em relação à coleção foram muito boas. Embora eu estivesse um pouco apreensivo, resultou muito bem.
O que é que ainda lhe falta conquistar?
O nosso objetivo agora é apostar no mercado americano e queremos que haja lojas de cada estado do país com a marca Gio Rodrigues.
Onde e o que gostaria de estar a fazer daqui a 10 anos?
Daqui a 10 anos espero já estar reformado, porque foi uma coisa que eu sempre disse: “aos 55 anos quero estar reformado”. Ao mesmo tempo quero que a minha marca perdure e não acabe comigo, por isso espero ter alguém que siga o meu legado.
Há algum projeto ou coleção que vá anunciar nos próximos tempos e que possa adiantar algum pormenor?
No desfile que aconteceu há poucos dias saiu a coleção de inverno “see now buy now” (vê agora e compra agora). Em janeiro apresentamos a coleção de noivas e em fevereiro vamos para Nova Iorque com a coleção outono/inverno.