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Crónica de João Seabra

Crónica de João Seabra
Sempre que passo na Avenida Fernão de Magalhães, já quase a chegar à Areosa, revejo a minha escola primária, não consigo visualizar bem os meus tempos de escola, parece que vejo tudo enublado, não é que me tenha esquecido, era nevoeiro mesmo, entrávamos na sala e estava ali a professora a bater com os apagadores. Aquilo fazia ficar tanto giz no ar que quando respirávamos, ficávamos com tectos falsos de placas de pladur no céu-da-boca e estalactites calcárias nas fossas nasais. Mas tinha a parte boa, todas as crianças tinham os ossos fortes, cheios de cálcio…
A escola antes era diferente, a coisa mais tecnológica que tínhamos na sala de aula era o quadro de ardósia! O quadro era uma maravilha, porque dava para escrever e… apagar! E escrever outra vez! A melhor prenda que os pais naquela altura podiam dar a uma criança no natal era um quadro de ardósia e uns paus de giz. Lá ficávamos nós a olhar para o quadro e a escrever… e a apagar… e a escrever… e a apagar… horas e horas sossegadinhos. As crianças de agora não sabem o que isso é. Não sabem qual era o barulho que fazia quando raspávamos as unhas no quadro!
Estamos no tempo das consolas. Naquele tempo não havia consolas, a nossa consola era a caneta bic, dava para tudo, coçar os ouvidos, chupa-chupa, roer a tampa, atirar grãos de arroz, pedacinhos de casca de laranja… de vez em quando a carga arrebentava e lá ia um de nós com a língua azul, com aquele gosto a tinta azul cheia de chumbo e a bata toda borrada.
Ainda me lembro do choque tecnológico que foi quando um dos colegas da turma chegou à escola todo orgulhoso com um relógio digital! Um Casio, com 3 botões, se carregássemos nos botões, um dava luz, o outro a data e o outro… não fazia nada era só para enfeitar. A partir desse dia ele ficou o meu maior amigo, todos nós queríamos ser amigos do rapaz do relógio digital. Só deixou de ser o meu maior amigo quando, passado uns tempos, chegou outro colega da turma com um relógio digital e… com maquina de calcular!
Naquele tempo todos nós precisávamos de um relógio porque parecia que o Universo tinha duas velocidades, eu tenho quase a certeza que naquela altura havia duas velocidades temporais. Lembro-me que quando estávamos no intervalo das aulas, tudo à nossa volta parecia um episódio do Benny Hill, tudo passava muito rápido, eram 3 segundos para comer, 5 segundos para jogar futebol e 2 segundos para ir à casa de banho e já tinham passado 15 minutos. Pelo contrário, quando entrávamos na sala de aula, todo o nosso universo ficava a 18 rotações e o que parecia demorar 3 horas eram apenas 2 minutos.
Eu gostava da escola e a parte que eu mais gostava era quando faltavam 5 minutos para acabar e começávamos a arrumar o estojo e os cadernos, que felicidade! Felicidade essa muitas vezes desfeita quando a professora, a 15 segundos do final da aula, dizia:
– Ah! Já quase que me esquecia de vos dar os trabalhos de casa.
Ahhhhhh que dor! Foi quase!
Pior do que isto, só mesmo quando, a 15 segundos do fim da aula, o nosso coleguinha da carteira do lado, de cabelo lambido e óculos de fundo de garrafa, dizia:
– Professora… hoje não há trabalhos de casa?
Ahhhhhh!

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João Seabra
Humorista

*Este texto não foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico{jcomments on}

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