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Café Ceuta

Café Ceuta

Em mais uma edição da rubrica Lojas Históricas, a VIVA esteve à conversa com o responsável do Café Ceuta, Nuno Castro. É a mais recente loja a fazer parte da lista “Porto de Tradição” e foi possível saber mais sobre o passado, o presente e o futuro de um local emblemático da cidade do Porto.

Como e quando surgiu a ideia de abrir o estabelecimento? É um negócio familiar?

Isto sempre foi um negócio familiar. Eu só o adquiri em 2019, este é um espaço que teve uma gerência entre 1953 e 1972 de determinada família. Depois, passou para outra família, entre 1972 e 2019.

Têm funcionários na casa já há muito tempo?

Tenho funcionários que vieram de outro espaço que eu tinha, já há 11 anos. E também temos outro funcionário que aqui está há perto de 40 anos.

O que é possível encontrar de especial no Café Ceuta?

Nós temos aqui uma coisa engraçada: um menu português, do Porto e internacional. Os negócios evoluem e nós também temos de o fazer. Vivemos numa cidade multirracial e multicultural. Portanto, já não é só o local que procura este tipo de espaço, mas também os visitantes da própria cidade, exteriores ao país e ao Porto. Temos desde o prato do dia, ao menu fixo, que engloba as tripas, a francesinha, o cozido à portuguesa, o cachorro especial, o bife à Ceuta, várias coisas. Depois temos outros pratos, também eles muito portugueses, mas que há quem pense que são estrangeiros. O salmão fumado, por exemplo. É historicamente do Porto do século XV. Devemos ser a única casa que faz isso, que fuma o salmão em barrica do vinho do Porto. É muito procurado e muito famoso, tanto entre os portugueses como entre os estrangeiros. No entanto, as pessoas pensam sempre que é algo do Norte da Europa. 

O que sente que mais mudou, desde que chegou até agora?

A granda mudança do Café Ceuta é a limpeza e o restauro que se fez. O Café Ceuta, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensava, a partir dos anos 70 foi adulterado. Quando fizemos o restauro e tivemos o azar e a sorte da pandemia, encontramos um espaço onde as partes importantes não foram tocadas, como os mármores (património mundial), o mobiliário escondido, o chão. Tudo o resto estava adulterado. Fizemos um levantamento fotográfico e depois uma reconstrução, criando réplicas fieis à originalidade do espaço.

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Quais as histórias mais caricatas que guarda do espaço?

O Café Ceuta foi palco de filmes famosos, com realizadores famosos no mundo. Um dia, bateram à porta, tínhamos os vidros fechados com papéis, estávamos em obras, e bateram à porta. Eu fui à porta todo sujo e pensei que era um fornecedor ou até um fiscal da Câmara. Fui lá e estava uma multidão fora: era tudo estrangeiros. Procuravam um café onde tinha sido realizado um filme muito conhecido e eu disse que foi aqui. Eu disse “entrem, mas não olhem para a sujidade”, já que estávamos em obras. Eles entraram, eu ofereci uma bebida e eles adoraram. Nunca pensaram ver o espaço a ser reconstruído. Já temos tido aqui algumas coisas engraçadas. Noutra história muito engraçada, tivemos a doutora Elisa Ferreira, que ia ser entrevistada pela Fátima Campos Ferreira. Ela perguntou onde poderia ser feita a entrevista. Ela falou com o arquiteto Souto Moura, e ele disse que tinha de ser no Café Ceuta, porque estava lindíssimo. Para um arquiteto do calibre dele dizer isso, é bom. Quando cá chegou, sentou-se numa mesa de café. Eu, educadamente, fui ter com ela a dizer quem era. Ela começou a verter lágrima. Eu disse “a senhora doutora está comovida”. Ela disse que sim, porque o espaço estava divinal. A entrevista ia durar 2 horas, mas já eram 6 da tarde e os homens das filmagens diziam que tinham de acabar de filmar e a luz estava a acabar. Ela não queria sair daqui. Há muitas histórias.

Qual a reação dos turistas?

A reação é de estupefação. Tivemos há dias aqui uma senhora de Florença, que o pai era historiador da cidade. Ela entrou e pediu para falar comigo. Ela estava hiper comovida com o espaço. Disse que estava fascinada com a sala de baixo e com a sala de cima. Pediu para tirar fotografias e disse que o pai ia adorar o espaço. A maioria dos turistas vem e fica fascinado com isto. Posso dizer que andei pelo mundo todo e nós somos uma coisa muito pequenina, comparativamente com outros cafés do mundo. Mas este tem um toque que penetra e fica. É muito especial. 

O que distingue o Café Ceuta?

Somos um café que começa com a sua originalidade. Nós somos exatamente aquilo que nasceu. Isto foi construído pelo Ferreira dos Santos e isto mantém-se aos dias de hoje: totalmente original. Até a Faculdade de Arquitetura do Porto (FAUP) já cá veio e disseram: “tu mantiveste e não estragaste nada”. Eu fui buscar as fotografias originais, para fazer tudo como o original. Tivemos esse cuidado. Até o próprio lettering do Café Ceuta foi todo feito à mão. Custou uma fortuna, mandei fazer tudo igual ao que era original. 

Qual o balanço que faz do Café Ceuta?

É sacrifício, principalmente porque os portuenses não dão valor a isto. Só gostam da notícia “fechou” ou o grupo separou-se. Do género, “ei, o Café Ceuta foi vendido”, dizem que é uma chatice, mas depois pergunta-se se alguma vez foram cá tomar café ou jantar. A questão está aqui. O portuense tem muito isto e o português. Fala daquilo que não tem de falar. Eu posso falar do Ceuta se correr mal, porque lutei para que ele vivesse. Fazem mais os estrangeiros do que os portuenses. Temos alguns que adoram isto e que cá vêm diariamente, mas a maioria não. O Joel Cleto, por exemplo, faz paragens aqui regulares. São roteiros de visita histórica dele. O Porto se perder todos estes “monumentos”, deixa de ter interesse. Passa a ser uma cidade como as outras todas. Isso não se pode destruir, tem de ser mantido. 

É importante serem abrangidos pelo Porto de Tradição?

Claro. Tem de haver uma forma de salvaguardar que estes negócios se mantenham. Eu percebo que os negócios tenham de ser viáveis. Por isso, é que temos um menu moderno e que ao mesmo tempo mantém a tradição. Vai haver um crescimento de procura e eu vou fazer uma programação cultural durante 1 mês, ligada à proclamação de “Loja Histórica”. Não é só receber o título e não o promover. Vou criar um programa ligado à música, ao teatro, vamos fazer ainda aqui várias coisas. 

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