A VIVA! esteve à conversa com Beatriz Magano, uma comediante oriunda da cidade do Porto e que está prestes a lançar um novo espetáculo que “Ainda Não Tem Nome Mas Vamos Tratar Disso”. Desde o percurso na comédia até ao momento, aos planos para a futuro, pudemos conhecer um pouco mais sobre a artista.
Para ser comediante, é preciso ter um perfil psicológico bastante particular. Quem conhecia a Beatriz em criança, diria que, um dia mais tarde, seria uma figura no mundo da comédia?
Sim, totalmente. Não sei se diria só no mundo da comédia, mas eu sempre gostei muito de provocar o riso aos outros. Desde pequena que eu tinha uma skill, vou até aqui partilhar, que era dar um “pu” sempre que alguém me pedia. Era uma espécie de jukebox de “pus”, em que a minha família me pedia um “pu” e eu dava. Controlava o meu esfíncter de uma maneira incrível e dava um “pu” de uma maneira incrível. Hoje em dia, já não tenho esse controlo, gostava, porque se a piada falhar era só dar um “pu”. Acho que foi aí a minha primeira piada, a dar uns “pus”.
Para quem não conhece tão bem o teu tipo de humor, como te definirias enquanto humorista?
O ser comediante é uma descoberta constante. Eu faço isto, mais ou menos, há 5 ou 6 anos. Eu estudei Teatro, tive lá a minha primeira tentativa de fazer stand-up, até proposta por mim, que tínhamos essa possibilidade de fazer. Agora, o tipo de humor que eu faço baseia-se muito em histórias minhas, que me acontecem, mas não me fecho a outras possibilidades. É algo que ainda estou a descobrir, sendo que aquilo que faço é mais o que se passa comigo no dia a dia. Desde situações, a exageros que se passam comigo. Não me fecho em humor de personagem, não me fecho a humor mais negro, nem a nada disso.
De todas as artes performativas, se calhar a comédia é aquela em que a avaliação é mais constante por parte do público. Dirias que o humorista tem menos direito a errar, de certa forma?
Nós temos que errar, para saber se a piada funciona ou não. O erro faz parte do trabalho do comediante. Se, de um texto de 100%, aproveitarmos 40%, já é bom, o restante sabemos que vai para o lixo. Quando começas a escrever comédia, estás em constante aprovação do público, só assim sabes se a piada funciona ou não. Mas concordo que somos mais expostos, porque se fores ver um drama e não choras, está tudo bem. Mas se vais ver um show de comédia e não ris, à partida, está tudo errado. Acho que é mais uma arte matemática: ou é bom ou é mau. Depende sempre do gosto das pessoas, claro, mas há sempre esse caminho. Diria que estamos mais expostos.
Por falar em atuar, ainda te recordas da tua primeira vez em cima de um palco?
Eu recordo-me muito bem da minha primeira atuação, já que foi um tipo de “kamikaze”. Estava na zona das Galerias do Porto, havia um restaurante que fazia noites de stand-up, eu tinha vindo de um festival de cerveja no Palácio de Cristal: não estava bêbada, devo dizer. Dirigi-me lá e vejo “Noite de Stand-Up”. Fui ver o que é, perguntei se pagava para entrar e fui. Entrei e estava uma vibe muito estranha, tudo muito sério. Quem estava a apresentar era o Paulo Baldaia e, numa das transições, pergunta se quem estava presente queria ir fazer 5 minutos. Eu tinha acabado de entrar e levantei a mão. Todos a perguntar quem era aquela gaja que acabou de entrar e queria ir ao palco. Pensei que não tinha nada a perder, não sabia o que ia fazer, mas fui. Sei que gozei com o meu apelido e improvisei algumas coisas. A vibe da noite subiu, apareceu uma novidade e as pessoas gostaram. Depois disseram-me que quem organiza as noites não está cá, mas ia querer ver-me. Perguntaram se para a semana queria ir para o conhecer. Eu fui e apresentaram-me ao Rui Xará, ele disse que precisava de me ver em palco. A primeira correu bem, não sabia se a segunda também ia correr bem, mas fui. Ele manteve contacto comigo e essa foi a rampa de lançamento. Nem sabia bem o que era stand-up e foi aí que tudo começou.
Há cada vez mais mulheres na comédia, mas mesmo assim, a diferença ainda continua a ser grande. Havendo mais do que provas que as mulheres também têm piada, o que achas que tem faltado para que, também nesta área, haja um maior equilíbrio entre humor no feminino e no masculino?
Atualmente, sinto que não há assim tão poucas. Tens duas grandes comediantes portuguesas que estão gigantes: a Bumba na Fofinha e a Joana Marques. Obviamente, no início, houve mais homens do que mulheres a fazer stand-up, mas sinto que está a ficar mais nivelado. Podem não ter tanto alcance, nem ser tão conhecidas, mas há cada vez mais mulheres. Cá no Porto, no início, era só eu e a Joana Santos, agora também há a Mariana Rosário, a Bruna Cunha, a Joana Oliveira. Em Lisboa, tens muito mais: a Joana Gama, a Rita Camarneiro, por exemplo. Está cada vez mais nivelado. Eu não gosto de distinguir humor de mulheres e humor de homens, que pode encaixar ou não no evento que querem fazer. Eu quero que me contratem pelo meu humor, não para preencher um espaço. A igualdade de oportunidades está sempre dependente de quem está a contratar. Eu não aceito bares que assinam como “hoje é a noite de stand up no feminino”. É o primeiro passo para haver a separação das águas. Quero que me insiram numa noite normal. Se forem 3 mulheres a atuar, são 3 mulheres a atuar. Não gosto desse tipo de venda, porque ninguém o faz com homens. Sei que há boa vontade, mas não acho que seja a melhor maneira de o fazer.
Pegando agora nas tuas raízes, tu nasceste no Porto. Confirmas a teoria de grande parte dos artistas, que diz que o público da Invicta é sempre mais quente? O que sentes de diferente?
Sinto que é sempre diferente, até do Interior para o Norte Litoral. Não só de referências, não só por nível de idades, mas acho que somos mais expansivos, temos um riso mais rápido, mais palmas. Faz parte das nossas raízes, mas claro que atuar no Porto é sempre bom para mim. Se bem que já tive boas experiências de atuar no Interior e correr bem. Sentir que não houve discrepância por ter algumas referências mais jovens. É tudo muito relativo, mas há diferenças de público e há referências que, por vezes, tenho de atuar, consoante o público onde vou. Tenho uma piada em que falo sobre Leça da Palmeira e, em Lisboa, por exemplo, não vão perceber, o que é normal. Tento sempre dar um toque sobre as cidades onde vou.
Gostas de crowdwork na comédia?
Adoro, porém é algo que tenho de trabalhar. Não está muito desenvolvido em mim. Às vezes, vais a um bar fazer 10 minutos e não encaixa bem. Eu gosto de quem o faz e de quem tem essa estaleca, mas não é algo que me sai naturalmente. Tenho de trabalhar mais.
Ainda falta algum tempo, mas em novembro vais apresentar um espetáculo. Na tua bio do Instagram, tens uma campanha de angariação de fundos para esse show que “ainda não tem nome mas vamos tratar disso em breve”. Há algo que possas revelar sobre esse projeto?
Será com outra comediante, a Bruna Cunha. Nós juntamo-nos e a ideia era fazer um podcast, mas eu pensei: e que tal um espetáculo? A ideia começou a ramificar, eu concorri a alguns concursos públicos e privados para ter apoio e decidi fazer um crowdfunding. Está disponível no meu perfil e decidi angariar cerca de 3000 euros para o projeto. Já temos de cerca de 2200 euros, logo já arrancou, porque, com esse dinheiro, dá para fazer na mesma. É um texto original, uma ideia original minha e da Bruna. A encenação é feita pelo Jaime Monsanto e a estreia acontecerá na sala “O Lugar”, da Palmilha Dentada. Digo em primeira mão, até porque as datas ainda não vieram a público, mas será dia 22, 23 e 24 de novembro. Ou seja, sexta, sábado e domingo, sempre às 19h30.
Sem dar spoiler, o que podes dizer do espetáculo?
Eu e a Bruna estamos loucas. Vamos juntar, basicamente, as nossas duas loucuras para aquilo. É um texto de comédia, vai ter muita diversidade e o nome indica um pouco aquilo que vai ser. O nome é “Ainda Não Tem Nome Mas Vamos Tratar Disso” e indica muito do que vai ser, logo também se calhar ainda não temos peça. Será comédia com momentos mais sérios e tem uma mensagem subliminar. O que vamos usar é coisas que achamos que têm potencial humorístico, mas que não cabem num espetáculo de stand-up. Há algumas ideias sobre coisas que vivemos e que achamos que fica melhor numa peça teatral do que num espetáculo de stand-up comedy.
Um dos teus projetos é o podcast Anti-Poético. Dirias que, cada vez mais, a promoção de um artista de comédia vai mais por este caminho do que pela televisão?
A televisão tem sempre importância e será sempre um canal de difusão, mas acho que a TV regrediu em termos de comédia. Aquilo que antes passava como comédia e não era aceite, neste momento é impensável ter em comédia. Tu, no digital, assinas por ti. O Diogo Batáguas é um desses exemplos. Há quem lhe diga porque não vai para a televisão e ele diz que lá não podia dizer algumas coisas. Acho que a televisão precisa de uma lavagem. No digital, os comediantes fazem o que querem e estás tranquilo com o que podes dizer. Outro exemplo é o Pedro Teixeira da Mota, ele responsabiliza-se por tudo o que diz, para o bem e para o mal. A tendência é cada vez mais essa. A televisão vai ter de levar uma lavagem.
Tens algumas referências no humor?
Uma das minhas maiores referências vai ser sempre o Herman José. Acho que foi o nosso Monty Python. Outra grande referência para mim foram os Gato Fedorento. Também houve duas coisas que me marcaram muito, na televisão portuguesa. Foi um programa que era o “Sai Debaixo”, era teatro ao vivo, e o “Aqui Não Há Quem Viva”, que só mais tarde descobri que foi reescrita pelo Rui Sinel de Cordes. Adorei saber que foi ele o autor. No geral, foi isso. Todos os que passaram no “Levanta-te e Ri” marcaram, uns mais que outros. É claro que o Ricardo Araújo Pereira marcou toda a gente. O Bruno Nogueira também e o João Quadros que não atua tanto, mas que também gosto muito.
Qual é aquele grande objetivo que gostavas mesmo de atingir num futuro próximo, enquanto humorista?
O meu grande objetivo era conseguir fazer isto a tempo inteiro. Isso queria dizer que tinha espetáculos suficientes por mês, para me manter. O meu objetivo é mesmo este e gostava muito de um dia ter uma espécie de talk-show. Era o que eu mais gostava de fazer em televisão, mas o patamar principal é, sem dúvida, viver a 100% disto. Assim, consegues estar a fazer o que gostas, a reinventar-te, a conhecer pessoas. Depois, não podes parar, é um pouco sufocante, mas é o que nos faz andar nisto.