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Ansiedade não é loucura

Ansiedade não é loucura

As pandemias sempre tiveram um impacto negativo na saúde mental das populações afetadas ao longo da história. Por exemplo, o The Lancet relatou que os surtos do vírus ébola causaram «pânico e ansiedade generalizados, depressão resultante da morte súbita de amigos, parentes e colegas e estigmatização e exclusão social de sobreviventes», enquanto a pandemia de gripe espanhola de 1918-1919 teve um impacto de longa data na saúde mental dos sobreviventes como resultado da perda maciça e repentina de vidas que mergulhou muitos num estado crónico de desamparo e ansiedade.

Em 2020, com a vinda da COVID-19, o mesmo voltou a acontecer. As medidas de isolamento aumentaram os sentimentos de solidão, isolamento, inquietação e ansiedade em indivíduos do mundo inteiro, pois milhões de pessoas foram forçadas a adaptar-se a novas realidades e a fazerem mudanças drásticas no estilo de vida.

De acordo com o Royal College of Psychiatrists, que representa 18.000 psiquiatras no Reino Unido, há uma procura muito maior de serviços de saúde mental como resultado da quarentena.

Além do aumento da procura de consultas de psicologia, se compararmos a evolução de vendas desde o último ano antes da pandemia (2019 até ao ano de 2022), verificamos que o consumo de antidepressivos esteve sempre a crescer. Os dados avançados à agência Lusa pela Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) relativos apenas aos primeiros nove meses do ano de 2021 mostram que os portugueses compraram mais de 15,7 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos, representando um encargo de 46 milhões de euros para o Serviço Nacional de Saúde. Em média, em 2019 venderam-se quase 28 300 embalagens diárias de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, tendo o consumo descido ligeiramente para 28 036 embalagens/dia no ano seguinte. Já em 2021, a venda aponta para um valor médio diário de 29 444 embalagens. Juntando todos os medicamentos, verifica-se um aumento do consumo ao longo dos três últimos anos. Isto constitui uma preocupação de saúde pública e, enquanto psicóloga, vejo-me na obrigação de tentar ajudar e informar cientificamente o máximo de pessoas possível de modo a trazer mais qualidade de vida à população.

Fora a pandemia, em Portugal o 1.º Relatório sobre o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental em Portugal de 2013 (estudo como parte da World Mental Health Survets Iniciative [WMHSI]), coordenado pelo Professor Doutor Caldas de Almeida, mostra, entre outros resultados, que as perturbações de ansiedade são o grupo que apresenta prevalência mais elevada (16,5%), seguindo-se o grupo das perturbações do humor (7,9).

Ao olhar para estes dados, Portugal parece ser claramente um povo mais ansioso e nervoso que propriamente deprimido. No que se refere às perturbações psiquiátricas encontradas com mais frequência em Portugal, encontramos as fobias específicas (8,6%), perturbação depressiva major (6,8%), perturbação obsessivo-compulsiva (4,4%), fobia social (3,1%) e perturbações de stresse pós-traumático (2,3%). Estima-se que cerca de 20%-25% da população sofra de algum tipo de perturbação de ansiedade. Feliz ou infelizmente, trata-se de um problema comum. No entanto, são poucos os que procuram ajuda médica ou psicológica atempadamente, o que atrasa o tratamento e pode inclusive agravar o prognóstico.

Contudo, relativamente à procura de ajuda psicológica, um dos problemas mais difíceis que encontro, não só pessoalmente, mas na população em geral, é saber como e onde encontrar a melhor ajuda psicológica possível. Todos nós conhecemos amigos e/ou familiares que procuraram tratamento com alguém com aparente boa reputação e acabaram por descobrir, mais tarde, através de outro médico ou especialista, que o diagnóstico original estava errado ou que os tratamentos recomendados eram inadequados ou até prejudiciais. Se calhar até a ti já te aconteceu procurares um profissional que acabou por não te ajudar da forma que precisavas. Para que evitemos ao máximo sermos reféns de práticas médicas ou terapêuticas pouco adequadas e pseudocientíficas, nas quais gastamos rios de dinheiro e vemos pouca eficácia, surge então a «prática baseada em evidência científica». Já ouviste falar certamente da expressão «baseado em evidência científica», não é verdade? A prática baseada na evidência significa fornecer às pessoas os cuidados mais atualizados e eficazes, baseados em ciência, para um problema.

Assim, surgiu-me a ideia de escrever um livro de autoajuda, baseado em evidência científica atualizada de forma a ajudar pessoas que não tenham dinheiro para pagar consultas de psicologia mas que queiram conhecer-se melhor, para pessoas que já fazem terapia mas querem compreender melhor o funcionamento do seu cérebro e comportamento, para pessoas apenas interessadas no assunto e para outros psicólogos e profissionais de saúde que se queiram atualizar e desenvolver competências. É um livro para toda a gente!

Mas o que é isto da “ansiedade”, afinal? A ansiedade é uma emoção natural e universal, que todos nós conhecemos e sentimos, cada um à sua maneira. Para quem ainda não sabe muito bem, a ansiedade é uma emoção que desencadeia um conjunto de reações físicas e emocionais a diversos estímulos externos e/ou internos. Pode ser definida como um estado de medo ou receio motivado por fatores como a antecipação de uma situação potencialmente desagradável, a perceção de que se está/estará em perigo, a ser ameaçado ou vulnerável ao ambiente e/ ou às outras pessoas.

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A ansiedade pode manifestar-se através de diversos sintomas, quer psíquicos, quer físico. Entre os sintomas psíquicos, encontramos, por exemplo, o medo, o receio antecipado, inquietação ou alterações a nível da concentração/atenção. Os sintomas físicos podem passar, entre outros, por boca seca, dificuldade de deglutição (engolir), desconforto abdominal, náusea, flatulência, alterações do trânsito intestinal, taquicardia, palpitações, sensação de opressão torácica, alterações geniturinárias, disfunção sexual, tensão muscular, cefaleia, diaforese (transpiração em excesso) ou insónia.

Quando esta se torna diária, desmedida e provoca elevado grau de sofrimento na pessoa, provavelmente estaremos a falar de uma perturbação de ansiedade e aí a pessoa precisa de procura ajuda psicológica urgentemente.

Estas podem aparecer devido a excesso de stresse ou a um evento traumático, mas quase sempre com origens mais arcaicas como negligência parental, abuso, abandono ou sobreproteção parental.

A ansiedade é como uma árvore: primeiro planta-se a semente (a forma como fomos educados, tratados e amados em crianças) depois começa a ganhar raízes e cresce um arbusto que se vai aparando para ganhar forma (as nossas experiências de socialização em adolescentes que nos vão “talhando” e moldando), até que se chega à árvore (o conjunto de experiências que fomos tendo ao longo da vida, incluindo pequenos e grandes traumas, que nos torna em adultos ansiosos). Os sintomas de ansiedade são apenas as folhas e flores da árvore (o superficial, aquilo que vemos).

Por isso, a psicologia tem um papel importantíssimo! Mais do que tratar os sintomas – a parte que se vê da ansiedade –, temos de tratar aquilo que a gera, as suas raízes, aquilo que por vezes não temos assim tanta consciência que está na base da sua origem. E, por vezes, esse processo de cura é feio como tudo. É ir desconstruir e descobrir coisas da nossa infância que não gostamos de ter consciência, falar sobre episódios menos bons, mais dolorosos, experiências de rejeição e frustração da adolescência… É sobre aceitar a dor, em vez de fugir dela. É sobre observar a dor, em vez de evitá-la. É sobre resiliência e coragem.

Apesar de doloroso, o processo de recuperação na ansiedade é exequível e é possível ter-se uma vida gratificante, não sem ansiedade, mas com ansiedade! A ansiedade não é a nossa inimiga, mas, para aceitarmos isso, é necessário fazermos as pazes com o nosso passado, presente e futuro. É preciso fazermos as pazes com a imprevisibilidade da vida, com a incerteza e com a dor. Não é para quem só quer fazê-lo da boca para fora, é para quem está disposto a lutar.

E termino este texto com uma frase de Freud que, para mim, faz todo o sentido quando falamos de recuperação da ansiedade e que compõe o início do meu livro: «Quando a dor de não se estar a viver for maior que o medo da mudança, nós mudamos.»

Sophie Seromenho
Psicóloga

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